Em casa comecei a pensar em Josué, não pensei que ele fosse fugir da forma como fugiu do restaurante. Sempre soube que tinha algo de errado nele e ter desmascara-o, talvez ele me deixasse em paz. Eu não era nenhuma ingênua mais, muito menos acreditava em qualquer desculpa esfarrapada. Aproveitei que vovô Alfredo estava na sala de estar, decidi dar uma organizada em seu quarto. O quarto dele era como sua fortaleza, todos eram proibidos de adentrar, mas, eu não seguia essa regra.
— Como ele vive assim? — perguntei-me fitando a pilha de caixas de papelão ao lado da cama.
O cheiro forte de mofo me fez começar a tossir. Primeiro fui até o guarda-roupas antigo dele e peguei tudo que precisava para trocar as cobertas da cama. Puxei as anteriores e senti meu nariz coçar. Meu velhinho dormia em péssimas condições por ser tão cabeça dura. Após dar um jeitinho naquela cama, deixando-a descendente outra vez. Voltei meus olhos para bagunça. O que tanto ele guardava naquelas caixas? Minha curiosidade fez com que abrisse cada uma das caixas. Maioria das coisas eram da minha falecida avó.
— Um diário? — sussurrei, surpresa. Era do vovô Alfredo? Mesmo sabendo que era errado ler algo tão privado. Senti curiosidade de bisbilhotar.
As folhas estavam bem amareladas pelo tempo...
"Hoje descobri que serei mamãe. Meu marido não pareceu muito feliz, entendo o porquê. Ele sente medo do filho ou filha ter pele tão alva quanto eu."
Cocei os olhos pra ter certeza que tinha lido certo, aparentemente sim. Quando li a assinatura fiquei desacreditada, era o nome da minha bisavó que nunca sequer tinha visto uma foto.
"Meus pais me rejeitaram por casar com um homem preto. Mas eu me apaixonei desde a primeira vez em que o vi. Tenho passado dias felizes ao seu lado, mesmo tendo que me esconder de todos."
— Luara! — vovô Alfredo gritou. Meu coração acelerou olhando em direção a porta. Minha indignação era tanta que fui logo tirar satisfação.
— Por que não disse que sua mãe era branca? Sei que não a conheceu por ela ter falecido no seu nascimento vovô, mas isso não se faz! Esconder uma coisa dessas da sua família!
Minhas mãos estavam trêmulas com aquela revelação. A culpa de todo preconceito familiar começou com vovô Alfredo.
— Naquela época era tudo diferente.
Aquela foi sua desculpa enquanto aproximava-se com sua bengala.
— O senhor tem que contar a verdade pra sua família. Por que alimentar o preconceito durante anos? Não entendo! Minha bisavó era de pele alva...
Chorei de desespero. Muitas lembranças vieram na minha cabeça enquanto tentava assimilar minha descoberta.
— Você precisa me prometer que não contará isso a ninguém. — disse pegando minhas mãos trêmulas. — O passado tem que ficar no passado, filha. Não seria bom para ninguém dessa família saber sobre isso.
Vovô Alfredo, fez um pedido que não poderia prometer. Puxei minhas mãos das suas e recuei.
— Desculpe, vovô. Não posso guardar esse segredo. O senhor não entende? Nossa família é preconceituosa sem ter porquê.
— Não pensei que minha neta fosse uma ingrata. — resmungou, batendo com força a bengala contra o piso. — Por sua causa, tenho que passar uma vergonha dessas na minha idade? Pense melhor, menina. Eu posso tratar melhor seu filho e te apoiar no que precisar....
Decepcionada com suas palavras, neguei com a cabeça e saí correndo do quarto, com o diário em mãos. Quando cheguei na sala de estar todos estavam reunidos conversando entre si. Meu coração disparado e a respiração descompassada era o de menos, não tinha dúvida alguma do que deveria ser feito.
— Essa família é uma mentira! — berrei, chamando atenção de todos. — A Prova disso está aqui, nas minhas mãos. Este diário que encontrei nas coisas do vovô, isso muda tudo.
Todos me olharam com desdém, como se quisessem dizer que eu era louca.
— Ninguém pode entrar no quarto do vovô. O que você foi fazer lá, Luara? Que confusão agora quer arrumar? — Isabela perguntou. Por um momento pensei que ela viesse pra cima de mim, pois demonstrou desprezo e fúria.
— Isa, nossa bisavó era de pele alva como algodão. Isso mesmo pessoal, em nossas veias corre sangue de outra etnia!
— Enlouqueceu, Luara? Nossa família toda são de negros! — papai, esbravejou.
Abri o diário e mostrei um por um a assinatura da minha falecida bisavó e li em voz alta alguns trechos do diário.
— Vocês precisam parar de alimentar esse preconceito, idiota! Somos todos iguais! Sejamos, negros, brancos, o que for! — afirmei, sentindo que um peso havia saído dos meus ombros.
— Isso não pode ser verdade! — senhor Osvaldo disse negando pra si mesmo. Meu pai era cabeça dura.
— É verdade, filho. — vovô disse adentrando a sala de estar. — Minha mãe era branca. Sua avó foi o grande amor da vida do seu avô. Por que acha que ele nunca casou-se novamente? Ele a amava apesar dos anos de sua fatídica morte. Meu pai e eu achamos melhor manter em segredo o passado, pois o machucava muito. Desculpem, pensei que o melhor fosse fazê-los acreditar que éramos uma família de sangue puro...
Esperava que a partir daquele dia tudo mudasse e quem sabe pudéssemos ser uma família de verdade. Tinha esperança que todo preconceito alimentado durante anos fosse caindo aos poucos até não existir nada além do amor.
(✿◡‿◡)
Fogo no parquinhoooo!!!! E agora? Será que essa família vai tomar jeito?
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Tudo Que Sinto No Coração
RomantizmLuara Arantes é uma mulher forte que enfrenta muitos desafios na vida, incluindo o preconceito de sua própria família. Com um filho pequeno para criar, ela encontra forças para enfrentar as dificuldades do dia a dia. Mas o destino reserva algo surpr...