Os minutos se arrastam com uma lentidão terrível, o que faz minha perna direita pular como uma britadeira. Nesse tempo, minha mente repassa cada detalhe do dia: a conversa com Maia, a confissão de Bianca, o reencontro com a minha antiga casa, a indignação de Samuel... É um dia daqueles, que não está nem perto de terminar.
Quando Thalles encosta a camionete próxima ao meio-fio, sou acometida por uma onda estranha de adrenalina. Ele está com a janela escancarada, o braço esquerdo apoiado na extremidade. Tem um sol circundando seu cotovelo, é a primeira vez que noto essa tatuagem.
― Pronta? ― ele pergunta quando me aproximo.
Dou a volta para me acomodar no banco dianteiro, mal podendo conter a empolgação. É como se eu estivesse fazendo algo proibido e libertador ao mesmo tempo, como fugir de casa para dar a volta no país.
Thalles sorri quando coloco o cinto de segurança. Está usando um boné virado para trás, que lhe dá um ar de graça. A primeira vez que o vi nesse verão, eu nunca imaginei que ele pudesse dar um sorriso tão largo. Thalles nunca foi do tipo que ri aos quatro ventos como eu, vê-lo sorrindo dessa forma é algo raro, mas quando acontece acende uma chama de esperança e dá um aspecto mais bonito ao mundo. É o tipo de coisa que dá vontade de colocar a cabeça para fora da janela e cantar alguma música animada com muita força.
Esse pensamento me faz ligar o rádio. Não peço permissão, mas ele não parece se importar. Encontro a minha rádio local favorita, que está tocando O Astronauta de Mármore. Começamos a cantar juntos, como nos velhos tempos, como se nunca tivéssemos nos separado.
No refrão, uma festa de borboletas acontece na minha barriga. Olhamos um para o outro enquanto gritamos a letra da música, com uma intimidade que só se constrói com uma boa amizade.
Estou apaixonada pelo meu melhor amigo.
Posso ter ganhado na Mega-Sena.
As possibilidades são intermináveis.
Não trocamos uma palavra sequer durante todo o caminho até a proximidade da propriedade da Dona Clementina, mas cantamos juntos com todas as janelas do carro escancaradas. Me dou conta da dor de garganta quando Thalles encosta o carro próximo a margem do rio.
― Você já deve conhecer o processo ― diz, abrindo a porta do carro.
A estrutura da fogueira já está montada, então Thalles apenas dá vida as labaredas. Na carroceria, pego duas cadeiras de praia com uma mão e o cooler com outra. A noite está bastante clara, com uma lua imensa e pontinhos luminosos por toda extensão do céu. Thalles estava certo quanto ao clima perfeito para acampar.
― Já comeu marshmallow numa fogueira de verdade? ― ele pergunta.
Nego com a cabeça, sorrindo. Meus músculos faciais já estão doendo.
― Você será transportada para um filme clichê da Sessão da Tarde, vai por mim.
Assamos marshmallow com espetos, ao som de uma playlist de Thalles que ressoa de uma caixinha redonda de som. Ele ainda gosta do mesmo tipo de música, indie rock, letras tristes com melodias animadas.
― Achei que você gostasse de forró, ou algo do tipo ― constato enquanto assisto meu marshmallow mudar de consistência.
― Forró?!
Dou uma risada anasalada.
― Mudanças radicais em todas as áreas da sua vida ― explico, fazendo com que ele ria também.
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Você Acredita em Humanos?
Novela Juvenil[NOVA VERSÃO] Elay e Thalles acreditam fielmente em duas coisas: que a amizade deles irá durar para sempre e que os alienígenas conspiram contra o Planeta Terra. Narrada em duas perspectivas, essa é uma história sobre amizade, amor e mudanças.