Os dias que se seguem são compostos pela rotina torturante do verão: Elay saltando da Queda da Mariposa com seus novos amigos e eu assistindo ao longe, sem ninguém mais insistindo que eu pule, embora ainda fazendo piadas sobre meu medo paralisante.Nessa tarde em especial, o céu está de tirar o fôlego. As cores se compõem em uma mistura indescritível – uma audácia da natureza diante do meu estado. Se o clima refletisse o meu humor, esse verão seria repleto de tempestades, com o céu nublado o tempo todo.
Dessa vez, eu trouxe meu bloco de desenhos para tentar me distrair da diversão alheia, estou tentando reproduzir o pôr-do-sol com o grafite, que não faz jus aos diversos tons de magenta pincelados no céu. É quase impossível distinguir o que é céu e o que é mar, na plenitude crepuscular, como corpo e alma.
Lá embaixo, na areia coberta de guarda-sóis coloridos, os turistas aproveitam a Golden Hour para tirar fotos. Poucos de fato param para apreciar e registrar o momento com os próprios olhos, famintos pelos likes, como zumbis.
Alguns dos desenhos que fiz, antes do céu se tornar deslumbrante, foi onde a praia estava sendo atacada por uma orla de zumbis trajando roupas de banho e outro ainda com zumbis saltando da Queda da Mariposa. É quase libertador.
Apesar de odiar acompanhar Elay e os babacas da cidade, estou disposto a não abrir mão tão facilmente. Aposto que vovó Edite só disse aquelas coisas porque não conhece Samuel e seu grupinho e o quanto a companhia deles é nociva.
― Então você é artista?
Tomo um susto quando Maia se materializa ao meu lado. Ela está sorrindo de um jeito carinhoso, que me faz sentir novamente como um bichinho de estimação. Ela é pouco mais de um ano mais velha, mas me olha como se eu fosse uma criança gorduchinha que não sabe pronunciar as palavras direito.
― Ah, isso não é nada ― aponto para o bloco de desenhos como se fosse algo insignificante, sentindo minhas bochechas arderem, porque é o impacto que Maia tem sobre mim.
Ela não é uma total imbecil como os outros, mas não é do tipo que julga a atitude deles como eu. Maia é linda, como uma pintura renascentista, e sempre ganhou todos os concursos idiotas dos garotos na escola, de quem é a mais bonita do colégio. Infelizmente não posso dizer estar imune aos seus encantos.
― Posso ver? ― pede, se sentando na mesma rocha que estou acomodado desde que chegamos.
Não quero que ela veja, mas não consigo lhe dizer não. Mostrar meus desenhos para desconhecidos é como ficar pelado. Quando lhe entrego o bloco, tenho certeza de que estou mais vermelho que meus cabelos.
― Nossa, são muito bons ― ela folheia, mas não questiona a estranheza de ser uma mistura de desenhos conceituais e descabíeis, como os zumbis por toda parte, e isso me deixa um pouco aliviado.
― Obrigado ― digo, evitando contato visual.
Maia percebe, como sempre, e ri. Ela tem total consciência do efeito que causa sobre as pessoas e parece se divertir com isso.
― Desculpa pelas piadas, sobre você não ter saltado ― diz, colocando uma mexa do seu cabelo atrás da orelha. ― Dê uma chance a eles, sei que não parece, mas alguns deles são bem legais.
Faço que sim com a cabeça, mesmo que não acredite. Maia é legal, mas não vejo a mesma coisa nos outros.
Quando ela volta para dar mais saltos, tento engolir meu espírito ranzinza de um idoso de 90 anos e faço inúmeros desenhos no bloco, até o pôr-do-sol completar seu ciclo e a noite começar a dar as caras. Finalmente, eles param de dar saltos no mar e me junto a eles.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Você Acredita em Humanos?
Ficção Adolescente[NOVA VERSÃO] Elay e Thalles acreditam fielmente em duas coisas: que a amizade deles irá durar para sempre e que os alienígenas conspiram contra o Planeta Terra. Narrada em duas perspectivas, essa é uma história sobre amizade, amor e mudanças.