TREZE

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Quando abro os olhos me arrependo imediatamente, minha cabeça lateja e ficou nauseada, mas ainda assim me obrigo a ficar acordada. Demoro a reconhecer o lugar onde estou dormindo, até ser atingida pelas memórias conturbadas de ontem: estou de volta a minha cidade natal e meu ex-melhor-amigo é um babaca.

Em outros tempos eu choraria, mas acho que já esgotei a cota de lágrimas alguns anos atrás, quando a única coisa que eu sabia fazer era chorar. Em vez disso eu me levanto e tomo uma ducha gelada, tentando expulsar a ressaca do meu corpo.

Me sinto melhor depois, mas não o suficiente para que meu pai – lendo um jornal na cozinha – não perceba como estou mal.

― Por essa eu não esperava ― ele confessa, quando me sento de frente para ele na mesa, servindo um copo gigantesco de água gelada.

É a minha primeira ressaca de verdade e se eu soubesse que seria assim tão terrível não teria descontado minha frustração com Thalles nos drinques de Gabriel. Minha cabeça dói ao menor movimento e sinto sede como se estivesse num deserto.

― É como se eu tivesse sido pisoteada por uma manada de búfalos e depois atropelada por um caminhão com carga máxima ― digo, antes de virar a água em poucos goles.

Meu pai me observa com um misto de preocupação e curiosidade.

― Sinto que devo lhe dar um sermão ― ele diz.

― Tudo bem, vá em frente.

Ele suspira.

― Não faça mais isso.

― Desculpa, eu sei que foi errado ― falo, tentando facilitar para ele, que não é muito bom quando o assunto é repreensões.

― É, foi.

Ficamos em silêncio, olhando um para a cara do outro consentindo que eu não vou mais fazer esse tipo de coisa. Bom, depois dessa ressaca não irei mesmo.

Depois que minha mãe morreu e eu deixei de agir como uma adolescente normal, meu pai chegou a implorar que eu lhe aprontasse alguma, tudo seria melhor do que ficar evitando o mundo como eu estava. Talvez agora ele até esteja um pouco feliz, mas se soubesse a verdade...

― Como foi a festa? ― pergunta, porque desconfia como o pai de faro apurado que é.

― Boa ― dou de ombros.

― Beijou na boca?

― Pai!

Ele ri e dá de ombros também.

― Não, não beijei ― reviro os olhos, faz tanto tempo que não me aventuro nesse quesito que posso até ter me esquecido como se faz: estou ainda mais na seca que minha garganta no momento.

― E Thalles? Viu ele?

Engulo em seco.

― Vi...

― E...?

― E nada ― tento demonstrar que não quero falar sobre isso e para a minha alegria ele percebe, mudando então de assunto.

― O que pretende fazer hoje?

O que eu mais quero é dormir até essa sensação de morte passar, mas desde que botei os pés nessa cidade tive convicção de uma coisa: eu preciso ocupar minha cabeça.

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