02 - Oh she.

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Naquele dia, eu voltei para casa de um jeito diferente. Estava mais feliz por ter conversado com aquela garota, tentando lembrar dos detalhes da sua face para que eu pudesse rabiscar em algum lugar. Depois que ela foi embora, Scorpia havia visto que nos conversamos, mas ela agiu de maneira estranha o resto do dia, mesmo dizendo que estava tudo bem eu ainda podia sentir que tinha algo errado. Mais uma vez a sensação de culpa estragando algo bom. Eu gostava de Scorpia e sentir que ela estava magoada daquela maneira só podia ter sido por algo que eu havia feito, talvez ignorado algo importante que ela disse.

Eu tentei não pensar demais, não queria que a garota fugisse da minha mente então corri o mais rápido que pude até meu lar doce lar, claro que de uma maneira discreta para que ninguém achasse que eu fosse alguma maluca fugindo de alguma coisa. Melog me esperava sentado ao lado da porta, tomando um susto ao me ver empurrar a porta com tanta pressa fazendo o coitadinho pular e fugir de mim.

Eu até irá atrás dele, mas tinha medo de ter um branco e esquecer tudo o que eu havia rabiscado nos post-its coloridos que "usurpei" da mesa da Scorpia. Não haviam mais tantos detalhes como antes, tive que improvisar com coisas que faziam algum sentido como as pequenas pintinhas em suas bochechas, seus poucos cílios e sua sobrancelha levemente curvada tendo os pelos no mesmo tom de seus cabelos loiros, tão belos presos naquele rabo de cavalo e naquele topete desnecessário.

Demorou para que eu lembrasse da forma dos seus lábios, mas o que eu tentei por horas fazer eram aqueles olhos azuis tão intensos e calmos, vigilantes como se alguma paranoia pairasse sobre sua mente. Eu nem sequer me lembrei de comer, nem mesmo tinha fome ou sono, tudo havia ido embora quando me deparei com aquele bloqueio. "Malditos olhos" eu pensei. Como diabos eu não conseguia captar aquilo que eu havia visto a poucas horas? Sou uma artista ruim é claro, desenhar por diversão seria um desafio já que eu sempre estou desenhando sobre coisas que perturbam a minha mente. Por momento me perguntei se querer desenhar ela foi por alguma coisa que me deixou conturbada, atraída talvez? Pode até ser, a carência deve ter se apossado de mim quando reparei os meus vizinho, talvez seja isso. Carência, há alguns bons anos eu não sentia isso, desde o colegial no último ano letivo. Eu estava no meu maior conflito interno para escolher a maldita faculdade que iria decidir o rumo da minha vida, ainda era o início do ano então eu tinha tempo até lá. Eu e minha mãe havíamos nos mudado e eu estava andando pela escola nova, fazendo um tour com os outros alunos que também haviam se matriculado naquele ano. Lá estava ela, uma veterana dizendo aos novatos onde eram suas salas, mesmo eu não sendo uma novata estando no mesmo ano que ela, eu ainda era novata por ser nova naquela escola e claro que eu não fiquei imune das piadinhas imbecis  e os apelidos infames. Por eu ser latina, tive que me adaptar a língua e aos costumes que para mim não eram muito difíceis de aturar. Não havia um momento sequer que eu não quisesse voltar para o México, mas mamãe sempre disse que lá não era o nosso lugar. Hoje eu vejo que era o meu mas não o dela, ela nunca gostou da praia, do sol quente na pele por ser muito sensível, ela nunca foi feliz lá e eu nunca fui feliz aqui apesar do clima ser realmente mais agradável.

Eu finalmente havia terminado, lá estava aquela turista esboçada sobre a minha tela. Sem os olhos por eu já ter me frustrado em não conseguir capta-los mas com os outros traços perfeitos do jeito que eu me lembro. Pensei na possibilidade de vê-la no dia seguinte mas com toda certeza seria muito baixa, ela nem sequer deve ter gostado da minha explicação sobre o quadro, talvez ela só quisesse vê-lo e me perguntou o que eu achava por educação. Mais uma vez eu estava lá dizendo coisas sem sentido e desnecessárias, talvez eu devesse só ter ficado na minha e isso aumentaria as minhas chances de vê-la novamente. Mas ela já se foi, certo? O museu vai estar cheio novamente, eu não teria sorte novamente.

— É Melog, eu sou uma grande idiota...

Meu celular havia vibrado sobre a mesa, me chamando a atenção para desbloquear a tela. Para a minha surpresa, era uma mensagem dos meus vizinhos que estavam me convidando para uma festa no feriado. Eu ainda não tinha visualizado, talvez eles tivessem mandado errado e logo a mensagem seria apagada, afinal, eu nunca nem sequer havia forçado mais de duas frases com eles e mesmo sendo muito gentis eu duvido muito que me queriam dentro da casa deles.

Until you rescue me - Catradora (reescrevendo)Onde histórias criam vida. Descubra agora