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Zoe

Estava nervosa por levar o Kyle a minha casa. Não tinha vergonha de ser quem era, mas tinha consciência de que a realidade dele era diferente da minha. Além disso, sempre o achei muito bonito.

Deixei-lhe apenas uma mensagem simples com a minha morada e agradeci mentalmente por ele ter treino depois da aula, o que significava que ele ia depois lá ter sozinho e eu escusava de de o acompanhar até minha casa depois da aula. Assim seria menos constrangedor.

Quando ouvi alguém bater à porta é que percebi que não tinha avisado a minha mãe. Corri pelas escadas, mas a minha mãe chegou mais cedo à porta.

– Boa noite, senhora Benson. – O Kyle cumprimentou com um sorriso. – Eu tenho um trabalho para fazer com a Zoe!

A minha mãe olhou para mim e eu assenti.

– Eu esqueci-me de te avisar, mãe. Desculpa.

Ela sorriu e abriu espaço para que o Kyle entrasse. Ele olhou atentamente ao redor e eu mordi o interior da minha bochecha.

– Vamos fazer o trabalho, ok?

A minha mãe apenas sorriu e foi para a cozinha.

– Anda, eu tenho as coisas no quarto.

O Kyle seguiu-me sem dizer nada. Apenas ouvi a sua voz quando entramos no meu quarto e ele viu os meus posters.

– Gostas de Nirvana? Eu também!

– Eles são incríveis. – Concordei, sorrindo.

– Já temos uma coisa em comum!

– Eu já estive a rever a matéria de Biologia e pelo que vi o trabalho vai ser muito simples. – Mudei de assunto. – Se quiseres podes tratar de fazer a estrutura no computador e eu faço o conteúdo.

– Tudo bem. Mas deixa a conclusão e a introdução para mim! Fica mais equilibrado assim se calhar.

Encolhi apenas os ombros e assenti. Eu estava habituada a fazer tudo sozinha, portanto nem me importava se ele não quisesse fazer nada. No entanto, não podia negar que estava nervosa por o ter ali.

Foi tudo muito rápido. Quando dei conta estava tudo feito e faltava só alinhar umas coisas na estrutura e corrigir uns erros.

– Feito. – Concluí, deixando-me cair na cadeira da secretária.

– Nunca pensei que fosse tão rápido. – Ele sorriu, coçando na cabeça. Parecia procurar um assunto novo.

Foi interrompido por batidas na porta. Era a minha mãe.

– Desculpem interromper! Trouxe-vos lanche! – Pousou a bandeja onde trazia sandes mistas e sumo de laranja. – Espero que gostes, Kyle! Qualquer coisa diz e eu faço outra coisa.

– Não, está bem assim, senhora Benson!

– Obrigada, mãe! – Agradeci.

– Qualquer coisa estou na cozinha!

Ela saiu, deixando-nos novamente sozinhos. O Kyle levantou-se abocanhando logo uma das sandes. Eu ri, vendo-o mastigar violentamente o pão.

– O quê? – Ele perguntou de boca cheia, rindo também. – Estou cheio de fome! Tive treino.

Peguei também num pão e comecei a comer.

– Tu és uma caixinha de surpresas, Benson. – Ele brincou, apontando para os meus livros de banda desenhada. – Não sabia que gostavas de the walking dead!

– Eu amo! Sou a primeira pessoa que deves procurar caso os zombies decidam sair à rua. – Brinquei, e ele riu.

– Eu gosto muito também. Adoro a banda desenhada. A série é muito boa, mas a banda desenhada é muito melhor. É mais macabra.

Arregalei os olhos e ele riu, continuando a comer o seu pão que, por acaso já estava quase no fim. Eu ainda só tinha dado duas dentadas.

– A banda desenhada é que é macabra? Olha o pão! Coitado dele. Deste cabo dele! Comes sempre assim tão rápido? – Brinquei.

– Não. – Encolheu os ombros. – Costumo comer mais depressa do que isto. Isto nem é nada. – Riu.

Ele era até uma pessoa divertida. E ter gostos em comum com ele era muito curioso.

– O que queres seguir na faculdade? Sempre me interroguei o que é que o grande Kyle Spencer queria fazer da vida. – Perguntei rindo, e ele fez um ar pensativo.

– Gestão. – Eu fiz uma cara espantada, e percebendo o meu espanto ele continuou. – Eu sei, eu sei. Não pareço gostar muito de estudar.

– Não é isso! – Respondi logo. Não queria que ele me interpretasse de forma errada. – No fundo sempre pensei que querias algo ligado ao desporto.

Senti-me na cama com as pernas cruzadas e ele fez o mesmo.

– Eu gosto muito de futebol, mas não é algo que eu queria fazer para sempre. Gestão é interessante. Posso ter a minha própria empresa e ser independente. Tu também és meia incógnita para mim. – Sorriu. – Aposto que queres ser escritora.

Gargalhei alto, e ele riu também.

– Foi assim tão mau o palpite?

– Muito ao lado! – Ri. – Quero algo ligado aos números também. Contabilidade é a minha primeira opção. – Bebi um gole do sumo.

– Meu Deus, Zoe. Somos almas gémeas mesmo! – Ele sorriu.

Uma vez que o trabalho estava feito, passamos o resto da tarde a conversar. Foi muito estranho, mas falamos fluentemente como se nos conhecessemos há imenso tempo. Discutimos interesses e gostos e éramos até surpreendentemente bem semelhantes.

As coisas foram fluindo e acabamos os dois deitados de barriga para baixo em cima da cama lado a lado a ler um livro de banda desenhada. Apoiei a cara nos meus braços e baloicei as pernas no ar enquanto ele acabava de ler a página.

Olhei distraidamente para o relógio e vi que era quase hora de jantar.

– Não está a ficar tarde para ti? – Perguntei, tentando não parecer rude.

Ele olhou surpreendido para o relógio, e levantou-se.

– Desculpa, eu estava distraído com as horas! – Vestiu o casaco e fechou o livro que estávamos a ler, estendendo a mão para mo devolver.

– Não precisas. – Sorri. – Acaba de o ler em casa. Depois entregas na escola.

Ele abriu um sorriso e pegou na mochila. Acompanhei-o à porta.

– Foi fixe falar contigo. – Ele sorriu. – Podíamos fazer mais coisas juntos. – Coçou a cabeça, e eu continuei a olhar para ele, tentando não mostrar qualquer emoção. – Quer dizer, eu gostei da tua amizade.

Assenti, sorrindo.

– Claro. Quem sabe. Até amanhã!

Fechei a porta, e aí pude sorrir. Estava feliz, não podia enganar ninguém.

– O Kyle já foi? – A minha mãe surgiu da cozinha, limpando as mãos a um pano. Assenti apenas com a cabeça. – Que pena... Ia ver se ele queria ficar para jantar.

– Ele tinha que ir para casa. Tinha coisas combinadas. – Menti. Tinha medo de me aproximar muito dele.

– Pena. Talvez noutro dia. – Ela sorriu. – Nunca trazes ninguém cá a casa! Gostas dele?

– Mãe. – Resmunguei e liguei a televisão, na tentativa de evitar mais perguntas.

Tinha ficado muito feliz por ter feito um amigo, mas tinha consciência de que na escola eu ia continuar a ser invisível para ele.

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