𝐂𝐚𝐩𝐢𝐭𝐮𝐥𝐨 - 𝟎𝟏

822 50 4
                                    

Gravei o comercial em abril, antes de tudo acontecer, e logo esqueci. Algumas semanas atrás, começou a passar na TV, e de repente eu estava por toda parte.

Nas TVs penduradas sobre os elípticos na academia. Na TV do correio que deveria servir como distração para as pessoas esquecerem o tempo que estão passando na fila. E agora aqui, na TV do meu quarto, enquanto estou sentada na beirada da cama, com os punhos cerrados, tentando me obrigar a levantar e sair.

Mais uma vez chegou aquela época do ano...

Olhei para mim mesma na tela, para como eu era cinco meses antes, procurando alguma diferença, alguma prova visível do que acontecera comigo. Fui tomada pela estranheza de me encarar sem a mediação de um espelho ou de uma fotografia. Ainda não me acostumei com isso, mesmo depois de todo esse tempo.

Futebol americano... — Me ouvi dizer. No vídeo, estou com um uniforme de líder de torcida azul-bebê, com o cabelo preso em um rabo de cavalo apertado e segurando um megafone enorme, do tipo que ninguém mais usa, com um K estampado.

Sala de estudos. — Agora estou com uma saia xadrez e um suéter marrom curto, que pinicava e não combinava, pois estava esquentando.

E, é claro, vida social. — Me aproximei, observando a eu da TV, agora em um jeans e uma camiseta brilhante, sentada em um banco e virando para falar para a câmera enquanto um grupo de garotas conversava baixinho atrás.

O diretor, recém-saído da escola de cinema, me explicou o conceito de sua... criação. "A garota que tem tudo", ele tinha dito, fazendo um círculo pequeno com as mãos, como se bastasse para abranger um conceito tão vasto, para não dizer vago. Claramente, significava ter um megafone, um pouco de inteligência e um grande grupo de amigos. Talvez eu não tivesse percebido a ironia explícita do último item naquele momento, mas a eu da tela já estava seguindo adiante.

Tudo isso vai acontecer este ano — eu disse na tela. Agora estou em um vestido rosa, com uma faixa no ombro que dizia RAINHA DO BAILE e um garoto de smoking ao meu lado oferecendo o braço. Aceito, com um sorriso largo. Ele estava na universidade e foi muito reservado durante a filmagem, mas no fim, quando eu estava indo embora, pediu meu telefone. Tinha esquecido completamente aquilo.

A melhor época — a eu da tela dizia agora. — As melhores memórias. E você vai encontrar as melhores roupas para todos os momentos na Kopf.

A câmera se aproximou mais e mais, até que só aparecesse meu rosto na tela. Aquilo tinha sido antes daquela noite, antes de tudo o que acontecera com Sophie, antes do verão longo e solitário de segredos e silêncio. Eu estava perdida, mas a garota do comercial estava bem. Dava para perceber no olhar confiante que lançou para mim e para o mundo quando abriu a boca para falar de novo.

Faça do Ano-Novo o melhor de todos — ela disse, e me senti perdendo o fôlego em antecipação à próxima fala, a última, a que agora era finalmente verdade. — É hora de voltar à escola.

A imagem congelou e o logo da Kopf apareceu embaixo da tela. Em instantes, viria um comercial de waffle congelado ou a previsão do tempo, mas não esperei. Peguei o controle, desliguei minha própria imagem e saí do quarto.

Tive mais de três meses para me preparar para ver Sophie. Mas, quando a hora chegou, eu ainda não estava pronta.

Estava no estacionamento antes do sinal tocar, tentando reunir coragem para sair e começar o ano oficialmente. Enquanto as pessoas passavam a caminho do pátio, conversando e rindo, considerei todas as possibilidades. Talvez ela houvesse esquecido. Talvez acontecera outra coisa durante o verão, mais importante que nosso pequeno drama. Talvez não tivesse sido tão ruim quanto estava achando. Tudo aquilo era muito improvável, mas possível.

𝐒𝐨́ 𝐄𝐬𝐜𝐮𝐭𝐞... • 𝐋𝐢𝐳𝐤𝐨𝐨𝐤Onde histórias criam vida. Descubra agora