𝐂𝐚𝐩𝐢𝐭𝐮𝐥𝐨 - 𝟎𝟒

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Na primeira semana de aula, Sophie me ignorou completamente. Foi difícil, mas, quando ela voltou a falar comigo, percebi que preferia seu silêncio.

— Vagabunda.

Era sempre só isso. Uma palavra dita com clareza e desprezo suficiente para machucar. Às vezes, vinha pelas minhas costas, flutuando por cima do ombro quando eu não esperava. Outras, eu a via chegando, e levava bem na cara. A única coisa que permanecia igual era seu timing impecável. No instante em que eu começava a me sentir um pouco melhor ou tinha um momento perto de decente em um dia quase bom, ela estava bem ali para garantir que a sensação não durasse.

Daquela vez, era hora do almoço e eu estava sentada no muro quando ela passou por mim. Momo estava com ela — ultimamente Momo sempre estava com ela. Não olhei para elas. Fiquei concentrada no caderno no meu colo e no trabalho de história que estava fazendo. Tinha acabado de escrever a palavra "ocupação" e fiquei segurando a caneta na página, escurecendo cada vez mais a letra "o", até as duas passarem.

Havia algo de cármico na situação, embora eu não gostasse de pensar a respeito. A verdade era que pouco tempo antes era eu quem andava ao lado de Sophie enquanto ela fazia aquele tipo de coisa, era eu a pessoa que, embora não participasse da maldade, não fazia nada para impedi-la. Como acontecera com Sana.

Pensando naquilo, ergui a cabeça, observando o pátio até encontrá-la sentada em uma das mesas de piquenique com algumas amigas. Ela estava no fim de um banco, com um caderno aberto à sua frente, ouvindo distraída a conversa das garotas à sua volta enquanto folheava as páginas. Claramente, sentar sozinha naquele primeiro dia tinha sido opcional. Ela não chegou nem perto do muro ou de mim desde então.

Mas Jeon Jung-kook continuava ali. Outras pessoas iam e vinham, algumas em grupos, outras sozinhas, mas só eu e ele permanecíamos no mesmo lugar. Quem chegava por último sempre mantinha certa distância — cerca de dois metros — ao sentar. Havia outras constantes. Ele nunca comia, ou pelo menos não que eu visse; eu sempre levava um almoço completo, preparado pela minha mãe. Ele parecia não perceber ou ligar para o que qualquer outra pessoa estava fazendo, enquanto eu passava o intervalo convencida de que todos estavam me encarando e falando de mim. Eu fazia a lição de casa; ele ouvia música. Nós nunca, nunca conversávamos.

Talvez fosse porque eu estava passando muito tempo sozinha. Ou porque só conseguia passar alguns minutos do almoço estudando. Qualquer que fosse o motivo, acabei ficando meio fascinada por Jung-kook. Todos os dias, fazia questão de lançar uns olhares para ele, catalogando mais algum aspecto de sua aparência ou de seu comportamento. Tinha juntado algumas informações até então.

Por exemplo, os fones de ouvido. Jung-kook parecia estar sempre com eles. Claramente, amava música, e mantinha o iPod no bolso, na mão, ou ao seu lado. Também percebi que suas reações ao ouvir música eram bem variadas. Ele costumava ficar completamente imóvel, a não ser pela cabeça balançando, devagar e quase imperceptível. Mas às vezes batia os dedos nos joelhos e, muito raramente, cantarolava, quase alto o suficiente para que eu ouvisse, mas apenas quando ninguém estava passando por ali. Era quando eu mais me perguntava o que ele ouvia, embora imaginasse que a música fosse igual a ele: obscura, raivosa e alta.

E a aparência. O tamanho, claro, era a primeira coisa que qualquer um veria: a altura, os punhos largos, a enormidade de sua presença. Mas havia as pequenas coisas também, como os olhos quase escuros, que eram verdes ou castanhos, e os dois anéis idênticos — ambos achatados, largos e prateados — que usava no dedo do meio de cada mão.

Quando olhei em sua direção dessa vez, ele estava sentado com as pernas esticadas e a cabeça para trás, encostada nas mãos. Um raio de sol iluminava seu rosto. Ele estava com os fones, a cabeça balançando ligeiramente, os olhos fechados. Uma garota carregando uma cartolina passou por mim, então diminuiu o passo ao se aproximar dele. Fiquei olhando para ela, que passou por cima dos pés dele com cuidado, como o João do pé de feijão passando pelo gigante adormecido. Jung-kook nem se mexeu, e ela apressou o passo.

𝐒𝐨́ 𝐄𝐬𝐜𝐮𝐭𝐞... • 𝐋𝐢𝐳𝐤𝐨𝐨𝐤Onde histórias criam vida. Descubra agora