𝐂𝐚𝐩𝐢𝐭𝐮𝐥𝐨 - 𝟏𝟕

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O relógio ao lado da minha cama dizia que era meia-noite e quinze. O que significava que eu estava tentando dormir havia três horas e oito minutos.

Desde a leitura de Whitney, tudo o que eu vinha tentando afastar — o desentendimento com Jung-kook, o cartão que Momo me dera, a conversa com Sana — de repente voltara para me assombrar. A casa parecia cheia e ativa, meus pais estavam relaxados como não ficavam havia meses, minhas irmãs não só estavam se falando, como se entendendo. Aquela harmonia repentina era tão inesperada que fez com que eu me sentisse ainda mais deslocada.

Na volta para casa, Kirsten contara sobre o curta para Whitney, comentando como era parecido com o texto que tinha lido. Como Whitney quis assistir, na noite seguinte, antes do jantar, Kirsten colocou o notebook na mesinha de centro e todos nos reunimos em volta dele.

Meus pais sentaram no sofá, com Whitney empoleirada no braço ao lado deles. Kirsten sentou em um canto e gesticulou para que eu sentasse mais perto, mas balancei a cabeça e fiquei para trás.

— Eu já vi — disse. — Senta você ali.

— Eu vi um milhão de vezes — ela respondeu, mas ficou ali mesmo assim.

— Isso é tão empolgante! — minha mãe disse, observando todos nós ao redor, e não ficou claro se estava se referindo ao fato de estarmos todos juntos ou ao filme em si.

Kirsten respirou fundo, então estendeu a mão para apertar o PLAY.

— Muito bem — disse. — Vamos lá.

Quando a primeira imagem daquela grama verdinha apareceu, tentei manter os olhos na tela. Mas, aos poucos, me peguei observando minha família. O rosto do meu pai estava sério, estudando o filme; minha mãe, ao lado dele, estava com as mãos cruzadas no colo. Whitney, do outro lado, tinha puxado uma perna para perto do peito; fiquei observando a luz iluminar seu rosto.

— Nossa, Whitney — minha mãe disse enquanto as garotinhas pedalavam pela rua —, parece aquele texto que você mostrou há um tempo, não parece?

— Parece — Kirsten respondeu com a voz suave. — Estranho, né? Descobrimos isso ontem à noite.

Whitney não disse nada, apenas manteve os olhos na tela enquanto, à distância, a câmera mostrava a garota mais nova no chão, com a roda da bicicleta ainda girando. Então surgiram as imagens mais assustadoras da vizinhança: o cachorro avançando, o velho pegando o jornal. Quando finalmente veio a última imagem da grama verde, todos ficamos em silêncio por um instante.

— Meu Deus, Kirsten — minha mãe disse. — É incrível.

— Está longe disso — ela respondeu, ajeitando uma mecha de cabelo atrás da orelha. Mas parecia satisfeita. — É só um começo.

— Quem diria que você tinha tanto talento para a coisa — meu pai disse, dando um tapinha na perna dela. — Todas aquelas horas de TV valeram a pena.

Kirsten sorriu para ele, mas estava mais interessada em Whitney, que ainda não tinha dito nada.

— Então, o que você achou? — ela perguntou.

— Gostei — Whitney respondeu. — Mas nunca pensei que você tinha me deixado para trás.

— E eu jamais adivinharia que você tinha voltado — Kirsten respondeu. — Isso é tão engraçado.

Whitney assentiu, sem dizer nada. Então minha mãe suspirou e disse:

— Bom, nunca percebi que aquele dia tinha sido tão importante para nenhuma de vocês duas!

— O quê? Você não lembra que Whitney quebrou o braço? — Kirsten perguntou.

— Sua mãe tem uma memória seletiva — meu pai respondeu. — Eu, por outro lado, me lembro bem do trauma coletivo.

𝐒𝐨́ 𝐄𝐬𝐜𝐮𝐭𝐞... • 𝐋𝐢𝐳𝐤𝐨𝐨𝐤Onde histórias criam vida. Descubra agora