XX. Julgamento

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O dia tinha definitivamente começado lindo.

O sol estava batendo, gloriosamente dourado, no piso de madeira como uma benção divina. Pássaros cantavam uns para os outros por ali, turistas conversavam e... bom, e Ícaro roncava ao seu lado.

E até o ronco dele era melodioso e afinado.

A melhor parte daquilo tudo? Deus a abençoou o suficiente para que seus sonhos não perturbassem o sono dela e muito menos o dele. Foram oito longas horas de puro vazio em sua mente.

Sem pesadelos, sem praias.

E acordar naquela manhã, em especial, levou seu humor para as alturas.

Com um longo suspiro — nada afinado —, seu corpo se mexeu na cama, virando para o lado de Ícaro.

Ele estava deitado de bruços, com o rosto virado para ela, o cenho parecendo aflito mesmo dormindo. Como ela, não tinha paz nem quando dormia. A camisa regata preta delineava os ombros e uma tatuagem estranha em suas costas que ela não conseguia identificar o que era, uma das poucas partes que estavam descobertas do edredom.

Thalassa sorriu.

Não um sorriso aberto, cheio de dentes, que fazia seu rosto ganhar muitas rugas, mas um sorriso fechado, de olhos comprimidos, simplesmente sincero.

Ela sorriu.

Sorriu porque aquilo era simples. Acordar ao lado de uma pessoa legal, com quem conversou, brincou e riu até adormecer, era simples.

Como ela nunca havia percebido que Ícaro era tão legal? Deixou que toda aquela raiva a consumisse por tanto tempo, se negando a ver como ele realmente era. Quantos erros ela cometeu ao longo dos anos?

Quantos? Quantos? Quantos?

Embora Ícaro não fosse exatamente um cozinheiro qualificado, com sua pizza salgada demais, ele tinha lá seus atributos.

E era tão engraçado. Céus, ela riu até fazer o — muito constrangedor — barulho de porco.

Thalassa pensava que havia sido ousada além do limite quando vestiu a camiseta dele.

Puta merda, muito ousada.

Ela não costumava fazer aquilo. Nem com Paolo, com quem ela teve a porra de um relacionamento que durou anos, as camisas dele eram as camisas dele. Ela não podia usar as camisas dele. Porque... que sentido faria usar roupas que não eram dela? Thalassa não era mais rica, mas podia comprar as próprias roupas. Se ela quisesse uma camiseta grande, era só comprar.

Aquela lógica fez tanto sentido em sua cabeça, por tanto tempo.

Mas ao contrário de Paolo, Ícaro não se importou que ela tivesse invadido seu closet para colocar aquela camiseta. Pra falar a verdade, quando ele voltou com pizza e vinho para o quarto, parecia até estar satisfeito. Leve.

Eles pareciam estar sempre leve perto um do outro.

Não houve vergonha em dizer para ele que sempre via as garotas vestindo as camisetas dos namorados nos filmes e que ela nunca tinha feito aquilo. Não houve embaraço quando ele, deitado de frente para ela, olhou em seus olhos e sussurrou você fica linda em minha camiseta, Thally, querida.

Seu rosto esquentou levemente, na bruma da manhã.

Thalassa escorregou pelos lençóis até estar fora da cama. Queria ir na ponta dos pés até a varanda e sentir o sol no rosto, mas o quadro a deteve.

Ela chamou aquele de Noites de Domingo.

Havia tanta coisa que ela não lembrava daquela época. Shows, festas, brigas que teve. Ter pintado o quadro era uma delas.

Icarus - Entre o Sol e o OceanoOnde histórias criam vida. Descubra agora