IV. Shows Lentos e Mulheres Rápidas

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Eu tenho que escrever, Ícaro Kalamari pensou pela quarta vez apenas naquela noite. Eu tenho que escrever antes que as palavras, acusações e confissões fujam de meu alcance.

Era impressionante.

Ele foi o pior aluno da sua turma, o mais fechado, com mais dificuldade de expressar em palavras o que sentia. Sentava no fundo esquerdo da classe sem falar com ninguém, exceto seu pequeno grupo de amigos. Não tinha a habilidade de escrever um texto descritivo de como havia sido suas férias. Nem mesmo conseguiu fazer o discurso no funeral da mãe. Como poderia ele, agora depois de tanto tempo perdido, escrever uma frase que fosse?

Não era como a música, que aparecia em tons e acordes e transbordava até o papel. Escrever música era mais fácil que respirar, confessar pecados em cartas era... Era como assinar sua própria condenação.

E ainda sim, mesmo sem ou com poucas palavras, Ícaro ansiava pelo momento de derramar os verbos outra vez.

Eu tenho que escrever, e aquela era a quinta vez.

Olhou para o teto daquele quarto de hotel, contando os detalhes dourados ali, enquanto a mulher ao seu lado não parava de falar, tentando instintivamente fazê-lo prestar atenção.

Ele sabia que não devia tê-la convidado para subir.

Horas antes, chegando ao hotel depois de mais um show, Ícaro deliberadamente se direcionou ao bar — como se não tivesse bebido o suficiente no after party com uma atriz chamada Ester. Uma deusa em beleza e simpatia, que não sabia perder uma aposta — nem gemer baixinho.

Mas ele ainda estava sedento. Sedento por qualquer coisa que não fosse sua própria vida. Qualquer coisa que não fossem as entrevistas, os paparazzi e aquele incômodo na garganta.

Por isso, afogou a própria melancolia em copos de uísque enquanto se martirizava com cada detalhe infeliz do que sua vida havia se tornado nos últimos meses.

Número 1: A mais recente descoberta dos seus nódulos vocais, que poderia colocar em risco o que mais amava fazer; um brinde. Número 2: Sua irmã, umas das poucas pessoas capazes de lhe tolerar, não estava falando com ele porque Ícaro havia a afastado; um brinde. Número 3: As inúmeras vezes que Sol disse que o amava e ele ignorou como se não fosse nada; um brinde. Número 4: Ele não podia mais se desculpar com ela; um brinde a isso com certeza.

Enquanto fazia seus brindes silenciosos, ciente de cada olhar que as pessoas direcionavam à ele, vestido em uma camisa preta de gola V que não era discreta o suficiente para disfarçar quem ele era, o olhar daquela mulher o alcançou como um farol em meio a escuridão.

Sua beleza hispânica era clássica e graciosa. A pele bronzeada se contrastando no vestido branco de alças, que revelava uma tatuagem tribal no braço direito. Ao perceber que ele também a encarava, a mulher sorriu largamente, fazendo o cabelo liso castanho escuro balançar propositalmente ao balançar os dedos no ar em um aceno. Não era um sorriso normal, daqueles que o inspiraram a escrever canções, mas um sorriso que determinava te conhecer mais do que si próprio.

Ficou óbvio que era uma fã, mas Ícaro não se importava.

Naquele momento, enquanto levantava da banqueta de ferro com o copo em mãos, a voz de Caroline dizendo para que ele não se envolvesse com fãs ameaçou o atingir como uma pedra dura na cabeça. Mas ele estava de saco cheio dela e desse complexo de babá que ela tinha desde que Ícaro perdeu a esposa.

Então, pagou um drinque a encantadora Diana... ou Daiana ― ele não se lembrava ao certo, então tirou a primeira sílaba e ficou apenas com Ana, era um ótimo meio termo ―, e trocou exatamente doze palavras com ela antes de chamá-la para subir. Mas foi sincero, dizendo que queria apenas uma distração. Agora ele desconfiava que ela não tivesse levado tanto a sério assim.

Icarus - Entre o Sol e o OceanoOnde histórias criam vida. Descubra agora