PARTE UM - O DESESPERO

1.7K 125 14
                                    

Calma sob o sol, aquele ser antigo e eterno observava o mundo. 

Não havia paz para ela. Não havia começo, meio ou fim. Havia apenas a sua vontade e seu conhecimento, mais antigo que os próprios deuses em seus tronos celestiais brincando de governar e influenciar. Ela não se curvava a ninguém, nem mesmo àquele que carregava um tridente, cujos dons tentavam dobrá-la, persuadi-la a fazer sua vontade. Não, aquele deus jamais conseguiria. Ela era uma unidade na imensidão que não obedecia nem mesmo à natureza. Esteve aqui muito antes de tudo e todos, e ainda estará quando não existir mais nada.

Ela decorria sobre as ondulações e a maré constante dos sentimentos humanos no decorrer das eras. Ela observava suas constantes mudanças, sua ignorância, preceitos e suas evoluções.

Viu o homem nascer, sofrer e morrer infinitas vezes. Um ciclo odioso de carnificina que certamente lhe faria surtar de desespero. Viu o homem se entregar ao fogo e ao amor, viu o desprezo e a crueldade enquanto eles afogavam a si mesmos.

O Oceano sabia, no seu íntimo, como se fosse parte da própria história, que existiam duas, apenas duas fases na vida humana. E eram elas: Ascensão e Queda. Ela viu, ouviu e sentiu a ascensão de impérios e suas quedas, o nascer e o morrer de deuses, a procura do amor e o fim no ódio.

Mas o Oceano que tudo via, nunca vira algo como aquilo.

Beirava a fascinação com aquele desespero, desespero e algo mais… algo que ela não entendia.

Não se resumia apenas à Ascensão e Queda ali.

A história daquele humano começou com um risco. E um risco levou a outro risco. Ela via. Seja por medo de morrer, medo de perder a si mesmo ou de encontrar o que sempre sonhou e o ver se esvair por entre seus dedos.

O desespero certamente leva à loucura de alguns riscos. O desespero talvez seja essencialmente o que o ser humano precisa para fazer algo de que vai se arrepender. Como voar, voar diretamente para o Sol. Como se fosse uma salvação, ou um presente divino.

O oceano observava com atenção àquele desespero.

Tanto se pode ganhar voando até o Sol, ela pensou, o calor que ele emana pode ser acolhedor e brutal a sua maneira. Então afinal, por que alguém não pensaria em voar? Por que não pensaria em pegar aquele presente divino para si?

Talvez tudo se trate sobre o Sol e o que ele tem a oferecer. Alguém vê os crepúsculos infinitos da janela e pensa: Eu poderia tê-lo como meu, e assim todas essas cores, emoções e vibrações seriam minhas. Eu certamente teria um pôr do sol infinito para assistir quando quisesse, calor para me esquentar quando estivesse coberto por três cobertores e ainda sentisse frio, e uma luz, brilhante e eterna, que me iluminaria mesmo quando minha alma for uma completa escuridão. 

O Oceano se perguntava, por que não a Lua? Por que não a pureza do luar e as Estrelas infinitas de seu arsenal? Qual era o problema de se banhar no luar puro e delicado, a satisfação seria imensa. 

Eu que nada quero e nada possuo, e por isso, não compreendo. 

Não, nem mesmo o luar poderia ser tão poderoso como o Sol, concluiu por fim.

Tudo se trata sobre como querem esse poder. Essa dádiva que poderia consertar sua alma quebrada e fazê-la reluzir ouro.

Como era imensa aquela coragem, como era inexplicável tamanho desespero. A ponto de fugir da segurança e se aventurar no desconhecido. Será que sabia que morreria nessa missão?

Não deve ter escolhas, acredito.

E é por isso que ele voaria para o céu, de encontro ao Sol. Disposto a tomar se fosse preciso, porque aquele vazio constante que seu peito sentia poderia ser facilmente consertado por sua luz.

Então, sem olhar para trás, ele voou.

E o Oceano não desviou a atenção.

Icarus - Entre o Sol e o OceanoOnde histórias criam vida. Descubra agora