Klaus Mallard chegou na sexta-feira de manhã.
Tão cedo que Ícaro havia acabado de pegar no sono, grogue e com o rosto enfiado no travesseiro, quando Cami bateu em sua porta para dizer que ele tinha visita.
A noite tinha sido longa.
Com burocracia demais e uma briga de bar com muitos danos para resolver. Ele mesmo tinha um hematoma no olho esquerdo que ficava pior a cada minuto que passava. Uma merda que tomou proporções enormes, que custou uma madrugada e quase uma noite inteira de sono.
Mas que felizmente havia sido resolvido.
O cantor bufou, olhou para cima pedindo clemência a seja lá quem estivesse assistindo, mas desceu para o térreo.
Com o rosto dormente de analgésicos, oscilando entre acordado e dormindo, encontrou o executivo com óculos de lente vermelha extravagantes e um sorriso receptivo quase mecânico que Ícaro nunca havia visto sair do seu rosto.
— Meu astro! — Klaus abriu os braços bruscamente, fazendo a camisa de seda azul clara balançar com ele.
Em aparência Klaus era pouco notável, caucasiano, cabelos e olhos claros. Mas era impossível não reparar no seu estilo hippie, aparentemente benzinho.
— Meu produtor! — ele respondeu, com nem metade da animação do outro.
Klaus apontou para o olho dele.
— Porra, o que aconteceu aí?
— Tentei separar uma briga. Sabe como é.
— Que merda, cara.
Ícaro riu seco e se aproximou, sendo puxado para um abraço regado a tapinhas, que ele aceitou de forma desconfortável.
— Desculpe aparecer tão cedo. — Klaus soltou com sua voz de veludo, a mão no ombro de Ícaro. — Mas eu ainda estou sob o fuso horário de Atena.
O cantor percebeu, devagar demais para o próprio gosto, que aquela euforia em seus gestos não era apenas pelo fuso horário. Ícaro podia ter mudado depois da overdose, mas nunca esqueceria de quem o apresentou a neve e os prazeres que ela proporcionava. Ele se impediu de estremecer ao ver o tique constante dos lábios de Klaus.
— Aproveitou as férias? — Ícaro perguntou, se esforçando para não demonstrar o deboche escondido ali.
A culpa foi toda de Ícaro.
Nada nem ninguém seria capaz de tirar de sua cabeça aquela certeza cruel. Mas a parte egoísta dele, a parte que ele considerava mais Thimote do que Ícaro, não conseguia de forma alguma esquecer de como Klaus o deixou sozinho no momento em que ele mais precisou de alguém (que chamasse a porra de uma ambulância).
— Eu estava aproveitando, até um certo cantor me ligar dizendo que tem material novo para produzir. A banda e eu já estamos hospedados, aliás.
— Desculpa por atrapalhar seu descanso, cara.
— Fofo, você está me fazendo um favor. De toda forma, eu vou voltar ao hotel e deixar que você durma mais um pouco. Porque pelo que vejo você nem sequer dormiu — Klaus caminhava para longe quando se virou repentinamente e o olhou mais uma vez. — Continua levando aquele estilo de vida certinha, Ícaro?
Ele lembrava com clareza aterrorizante, de no passado ter visto aquele brilho que cintilou no olhar de Klaus, principalmente no começo da carreira. E o produtor estava louco para vê-lo pedir por sua ajuda de novo. Porque pra ele, aquilo tudo era como uma grande festa que nunca terminaria.
A fama das pessoas era só uma carreira de coca que ele adorava cheirar até não sobrar nada.
Então você morria ou, no caso de Ícaro, quase morria de uma overdose.
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Icarus - Entre o Sol e o Oceano
Fantasia🏆 VENCEDOR DO WATTYS 2021 na categoria PARANORMAL 🏆 Conteúdo Adulto (+18) Em Nova Orleans tem de tudo. É lar de gente sem medo de viver, com rock alto e jazz melancólico de trilha sonora. É onde os sonhos moram, as ideias nascem, os amores aflora...