XXXI. Ícaro, filho de Dédalo

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Solaris nunca teve uma beleza comum.

Ele não sabia de fato o que havia o atraído até ela durante uma festa da vitória com drinques chiques demais para o próprio gosto, em um pub exclusivo na cobertura de uma das propriedades da família dele.

Os olhos dela eram pequenos e levemente puxados, o nariz... arrebitado demais. E a malícia, bom... se ele achava que Thalassa era uma diaba, Solaris era algo ainda mais sombrio.

Ícaro tinha uma mão colada no microfone e a outra na guitarra vinho, sua melhor amiga, quando Solaris, vestida em um incrível frente única branco de seda extremamente colado ao seu corpo esguio, parou em sua frente e pediu para que ele tocasse uma música.

Não.

Ela não pediu.

Ela mandou, com todas as letras, que ele cantasse a tal música, não dirigindo mais que um olhar curto em direção a ele antes de se virar novamente para as amigas.

O peito e o ego de Ícaro estavam feridos por causa de Thalassa e ainda que tivesse tocado a música de Solaris, não conseguiu deixar barato.

Depois de tocar mais três músicas e pedir a banda uma pausa. Ele desceu do palco improvisado procurando por aquele vestido branco descarado, e parou logo atrás dela.

— Sua arrogância não tem limites, linda? — perguntou, colado em sua orelha.

A virada dela foi tão brusca que o rosto dele foi açoitado por aquele afro bem cuidado, mas mesmo aquilo não foi capaz de tirar o sorriso presunçoso de Ícaro.

— Como é? — Solaris havia dito, com os olhos semicerrados.

— Sua arrogância, linda — repetiu, paciente —, ela não tem limites?

Talvez ele tivesse ficado ainda mais arrogante quando ela o olhou de cima a baixo, gastando tempo demais na bota de segunda mão que ele usava.

— Por que não volta lá para os seus amigos da ralé — praticamente cuspiu, apontando para a banda que ele formou no Brooklyn —, e me deixa em paz, huh?

Ícaro estava mais do que disposto a jogar depois daquilo, e aquela frase foi apenas o combustível para a pior decisão que ele já tomou na vida. Pois nada mais o enervava do que nova-iorquinas metidas à besta com dinheiro no lugar do cérebro.

E ele tinha muitas formas de lidar com nova-iorquinas.

— Por que não vamos para a minha casa ao invés? Vai ser muito mais divertido, eu garanto.

O rosto dela foi de blasé para desgosto em uma piscada de olho.

— Deus me livre de me enfiar em seja lá qual buraco chechelento você veio. Saia.

Ícaro compreendeu então que ela não fazia a mínima ideia de quem ele era. O que era curioso já que todos sabiam. Não havia uma única pessoa que não conhecesse Ícaro Constantine Kalamari, e o orgulho dele poderia ter sido ferido por isso se Trenton — filho do gerente do pub — não tivesse chegado ao lado dele e dito:

— Kalamari, achei você! Pensei que ia se esconder naquele duplex para sempre, nós reles mortais ficamos felizes com a presença de nosso patrocinador mais expansivo.

Ele não tirou os olhos de Solaris ao responder:

— No duplex? Com quem andou falando, cara? Passei a última semana em Amsterdã lidando com alguns problemas. Mas é bom estar de volta.

Os olhos dela se arregalaram, e aquilo foi infinitamente prazeroso depois daquela semana de cão que havia tido.

Ícaro alargou o sorriso antes de se virar para ir ao bar e escutou ela perguntar:

Icarus - Entre o Sol e o OceanoOnde histórias criam vida. Descubra agora