Capítulo 18 - A dança das extremidades opostas

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Como imaginei, Kath queria saber tudo que tinha acontecido e também se eu havia melhorado, era uma situação tão gostosa, ali eu tinha espaço e seria ouvida com acolhimento e sem julgamento. Contei a ela sobre o acontecimento com a Tia Clarisse e todo aquele fim de semana interminável que me deixou esgotada, falei sobre ela zombar do meu cabelo, sobre a Brenda me questionar sobre a separação dos meus pais o que para mim se tornara um tema sensível, mencionei todo o misto de emoções que me ocorrera de uma forma que palavras não conseguem esboçar, a dificuldade para comer, os calafrios, os medos irracionais, as sensações de fuga, tudo o que conseguira lembrar. E acabei me recordando do constrangimento ao ser questionada quanto ao fato de minhas pernas serem brancas demais, aquela risadaria ecoou na minha cabeça novamente e senti um arrepio subir por todo o meu corpo, aquela cena me trouxe um enjoo leve. Toda aquela lembrança e contar tudo isso me fez ficar com o corpo tenso e rígido, eu sentia vontade de chorar mas não o fizera era algo difícil para mim. Eu vomitei todos os fatos, acontecimentos, lembranças e sensações daquele almoço, ali, sentada em um sofá azul com uma moça concentrada me olhando, ao mesmo tempo que foi revigorante foi também desgastante.

- Charlotte, que horror! Imagino que deve ter sido muito difícil para você! Seu pai não disse nada? Não tentou te defender? - Ela franzia a testa e pelo seu tom de voz senti que ela havia simpatizado com a minha situação.

- Ele tentou, mas não é mestre nessas coisas, meu pai é muito bonzinho e isso as vezes o atrapalha, por mais que eu o admire por isso, e mesmo sendo uma virtude, ele não consegue sair desse papel as vezes.

- Entendi, então pelo o que percebo algumas pessoas da sua família pegam bastante no seu pé simplesmente por você existir, mas algo que me chamou a atenção foi o fato de que seu pai, mesmo estando separado da sua mãe foi com você em um almoço com a família dela, como isso aconteceu? Como que ela reagiu a isso? E a família também, como eles o receberam? - Notava-se que ela estava confusa, e realmente era de se esperar.

- Então né, a minha mãe não tem uma boa relação com a mãe e as irmãs, meu pai se relaciona muito melhor com a ex-sogra do que ela com a própria mãe. A família dela acolheu meu pai como se fosse alguém da família, mesmo depois da separação. É engraçado! - Esbocei um sorriso.

- Eu concordo com você, não é algo que se vê todos os dias. E chega a ser admirável até, mas presumo que sua mãe deve se sentir deixada de lado, não? - Ela se arrumou na poltrona pegando uma almofada amarela.

- Eu não sei, desde a separação minha relação com ela está de mal a pior, acho que ela não gosta de ser mãe...

- Ou talvez só não é a mãe que você idealiza, talvez ela também idealiza a filha que ela quer que você seja, e isso se chama expectativa, que na maioria das vezes evolui para uma frustração, que é o que está acontecendo. - A voz dela se afinava trazendo tranquilidade para o ambiente.

- Bom, ela idealizou quem eu deveria ser, isso é um fato, escolheu a faculdade que devo fazer, as formas como devo me portar em locais públicos, com a família, na escola, enfim em qualquer lugar, é bem manipulador eu diria.

- Você é filha única?

- Até onde eu sei, sim. - Dei uma risada, e ela acompanhou.

- Isso é bem comum, mães tentam controlar, manipular o que os filhos vão fazer porque acham que dessa forma eles estarão protegidos do mundo, dos julgamentos... Para elas é como a asa da mãe dos filhotes de passarinhos, ela os protege da chuva, é o modo dela de se colocar no papel de mãe que ela acha que é o correto... Não que exista o certo ou o errado, é relativo.

- Mas quando o passarinho é pequeno tudo bem, mas uma hora ele não vai mais caber debaixo da asa dela para se esconder da chuva.

- Sim, mas compreende que essa forma dela tentar manipular as suas ações e seu comportamento é a forma que ela arrumou de "te proteger da chuva"? - Ela fez aspas com as mãos e segurou um sorriso.

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