Capítulo 3 - O ódio que habita a desordem

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Creio que nunca passei por tanto problema ao mesmo tempo. Desde sempre sou insegura com o meu corpo, sou muito branca, baixinha, cabelo cacheado e minhas pernas são muito finas, quando estava na creche as outras crianças me chamavam de toquinho de amarrar bode, bicho de pau podre, palito de churrasco, requeijão e por ai vai, deve ser por isso que não consigo fazer amizades. Os comentários pararam com o tempo, conforme fui crescendo a perseguição diminuiu mas ainda sinto calafrios ao passar perto de um grupo de pessoas, sempre acho que elas vão dizer algo sobre meu corpo.

Para as pessoas parece algo besta mas para mim dói na alma. Depois da apresentação do seminário eu fui até minha sala pegar minha garrafa d'agua e ir para a quadra, toda a turma estava lá, pelo menos era isso que eu imaginava. Quando estava saindo de perto das fileiras e indo em direção ao quadro negro 3 meninas entraram na sala e me pediram um favor:

- Lotte você pode pegar aquele pote com giz que está dentro do armário da professora? - Disse uma delas

- Pego sim - Eu concordei, mas tive medo de não alcançar e virar motivo de chacota de novo. Quando abri a porta, algo caiu sobre mim, era farinha de trigo, fiquei toda branca, meu cabelo então nem se fala.

- Nossa não achei que você conseguisse ficar mais branca do que já é - Elas riram e saíram

Corri para o banheiro e lá encontrei a tia da limpeza, a mesma que estava comigo na enfermaria, ela me levou para a diretora, que não aguentava mais ver a minha cara e com razão. Ela fez perguntas para mim e disse que me levaria pra casa. Quando cheguei entrei no chuveiro e chorei muito, me livrei de toda aquela sujeira, comecei a sentir aqueles sintomas outra vez, eram tão intensos que cravei os dentes na minha mão esquerda para tentar amenizar mas foi em vão, e quanto mais piorava mais forte minha mandíbula apertava, meu corpo estava tenso e não parava de se mexer, eu parei de me morder e vi a marca roxa e as bolinhas de sangue que haviam ficado ali.

Precisava esconder aquilo do meu pai, ele não podia saber, então enfaixei e fui almoçar, eu estava com dor naquela região retirei a faixa e deixei sem nada para ver se melhorava, mas minha mão inchou e por isso senti tanta dor. A noite perto do horário do meu pai chegar coloquei a faixa novamente e um moletom cuja manga vinha próxima aos dedos, se ele visse iria ficar furioso. Quando chegou veio falar comigo, e eu contei sobre o que aconteceu na escola, mas não disse nada sobre o que fiz depois:

- Mas você sabe quem são? Amanhã irei até a escola e conversarei com a diretora isto está fora de controle - Ele estava muito bravo

- Papai não precisa serio, eu já disse a diretora quem são e ela vai tomar as devidas providencias...

- Espero mesmo... Apresentou o trabalho?

- Sim, foi ótimo, consegui nota máxima e agora estou livre - Esbocei um sorriso para quebrar a tensão

- Essa é a minha garota!

Ele estava orgulhoso, sabia disso, mas quebrei o clima:

- Papai, você me acha doida?

- Minha filha? Doida? Quem disse isso pra você? - Ele seguia fazendo o jantar

- Ninguém, eu só imaginei que talvez por ter tido aquele negocio ontem eu...

- Charlotte de doido todo mundo tem um pouco, não se apegue nisso... Inclusive amanhã eu não venho para a casa, tudo bem se você ficar sozinha? - Ele me olha por cima dos óculos de grau

- Sim, vou ficar bem - Balancei a cabeça concordando.

Nós jantamos e jogamos conversa fora até as 22:00 era hora de descansar, foi um dia bem exaustivo. Não dormi a noite toda, fui para a escola parecendo um zumbi com a mão ainda enfaixada, mas finalmente era sexta feira e poderia hibernar no fim de semana, entrei na sala de aula e as pessoas cochichavam e riam olhando pra mim, não fazia a menor ideia do que estava acontecendo mas fiquei desconfortável. O primeiro turno se iniciou foram as 3 aulas mais longas da minha vida, e os olhares sobre mim continuavam, o sinal bateu era hora do intervalo, estava na fila para pegar o lanche e as pessoas me olhavam de cima a baixo. Sentei na mesa do refeitório e avistei uma menina diferente sentada na mesa da frente, ela também estava sozinha e parecia incomodada, me levantei e fui até ela:

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