Acordando do pesadelo

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Quando abriu os olhos, Joalin ficou surpresa ao descobrir que não havia acordado em sua cama, nem que estava iniciando um novo dia de trabalho. Sua rotina se dava em levantar um pouco preguiçosa, fazer suas necessidades fisiológicas, bem como sua higiene matinal, tomar um café da manhã reforçado com seus suplementos alimentares de acompanhamento, executar quatro séries de cinquenta abdominais cada e, por fim, duas séries de vinte e cinco flexões. Às vezes arriscava mais algum outro exercício para a perna, o que dependeria do horário estando avançando ou não. No entanto, naquele momento, nada era como deveria ser. O certo seria Joalin acordar e as lembranças dos tiroteios, dar explosões e de todo o furdúncio causado pela invasão, não passarem de mero pesadelo, apagando-se de sua mente conforme ele levantava.  A loira acordou no hospital. Havia um policial de costas para ela, assistindo ao noticiário que passava na televisão. Imagens da Casa Branca antes e depois da destruição, as fotos de algumas vítimas, gráficos do poder bélico dos bandidos versus dos armamentos disponíveis pelas tropas estadunidenses, desfilavam na tela como se fosse algo corriqueiro. A agente fechou seus olhos novamente. Estavam secos, arenosos. Suas pernas doíam e seus braços latejavam, principalmente o direito, que estava com a tipóia. Aos poucos as lembranças foram tornando-se mais nítidas, os borrões tomando formas e cores, e tudo que a mulher que foi ter uma amnésia recorrente.
- Ela acordou. - A voz fora reconhecida como sendo a do comandante e fazia-se ouvia bem perto dela.
Não o tinha visto quando abrira os olhos e parecia mais fácil apenas imaginá-lo, tamanho o seu desânimo.
- Oi. - Apesar de todo o tormento pelo qual passou, o tom de Lin ainda mantinha-se firme.
- Vou chamar um médico. - O policial saiu tão logo da afirmativa de Fuller.
- Você está bem? - O homem parecia tenso, agitado. Havia cortes e escoriações pelo seu rosto e pescoço, nada relativamente sério diante do julgamento comprometido da paciente ali deitada.
- Na medida do possível. - A loira forçou um sorriso, pondo-se a ajeitar o seu corpo na tentativa de sentar na cama. Simon prontamente foi auxiliá-la, recebendo um par de olhos azuis a revirar para ele - está bom assim. Obrigada. - A agente tentava retribuir a gentileza não sendo grosseira.
- É surreal estarmos aqui. - O comandante falava mirando um ponto qualquer abaixo de sua cintura - Se não fosse por você...
- Eu não fiz mais do que a minha obrigação.
- Sabemos que não é bem por aí. Não precisa de falsa modéstia, Loukamaa. - Sorriram.
- O que aquele policial faz aqui? Sou suspeita de algum crime? - Joalin brincou para aliviar a tensão que já se fazia notada no ambiente.
- Sempre com o seu áudio. Isso não mudará nunca.
- Espero que não ponto. - Uma careta de dor fez o homem ficar sobressaltado.
- Teve sorte com seus ferimentos. Todas as balas passaram de raspão. Contundiu o ombro, por isso o imobilizado. Acredito que o mais grave de tudo foi o corte na perna. Cinco pontos e você nem chorou. É uma guerreira. - Gargalharam.
- Talvez eu seja uma super-heroína com poderes sobrenaturais, ou talvez eu tenha sorte mesmo. - Ela retruca, ao mesmo tempo que bocejava. De repente, um lampejo deu-se em sua mente, fazendo-a recordar-se do motivo principal pelo qual estava ali. - E Hidalgo? O que houve?
- Agora está tudo ótimo, apesar dos pesares. Ele teve um corte profundo no pé esquerdo. Perdeu o sapato, acredita? Algumas escoriações e hematomas espalhadas pelo corpo, nada preocupante. - Enquanto Fuller e falando, o rosto da loira apresentava um rubor indiscreto. Ela sorriu constrangida, fingindo alívio pela resposta errônea de sua pergunta indiscreta. Não era bem do pai que Joalin gostaria de ter notícias, mas sentia-se contente por saber que o presidente não sofrera maiores danos.
- E a Sra. Hidalgo? Os outros? - Indagou em disfarce.
- A Sra. Hidalgo está em observação por conta de seu problema cardíaco, governador, sua esposa e seu filho só tiveram ferimentos leves à médios. Já foram liberados e já estão em casa, em segurança.
A impressão que a gente teve foi de que Simon brincava com ela. Ele poderia falar de meio mundo que não a agradaria saber o estado de saúde, tanto quanto o de alguém específico.
- Sabina... E Sabina? Eu quero saber dela. - A indagação direta provavelmente não seria feita em outras circunstâncias.
- Ela deve a vida a você. - O comandante respondeu um tanto quanto boquiaberto com a reação e expressões faciais da sua subordinada.
O esboço de um sorriso satisfeito podia ser notado no rosto de Lin. "Ela sobreviveu!" Era o pensamento que ecoava em sua mente.
- Eu posso vê-la? - Mais uma pergunta que tomou Fuller de surpresa.
- Loukamaa, eu não sei se é possível...
- Por favor. Acabou de dizer que ela deve a vida a mim. Se eu não a tivesse salvado... - A agente suspirou profundamente recordando-se de alguns momentos tensos que vivenciaram juntas. - Por favor.
- Ok, ok. Eu vou ver o que eu posso fazer por você. Vou dar um jeito.
- Obrigada. - Dessa vez seu sorriso era genuíno. - Posso beber água?
- Eu não sei. Quando o médico vier te ver perguntamos a ele. É melhor esperar.
- Certo. - Joalin fechou os olhos por alguns segundos ao forçar para sentar-se em outra posição, mais à beirada da cama. - E Rust, Lamar, os outros? - O semblante pesaroso e tristonho do homem falava por si só. - Ah, não. Não... - Os olhos da loira lacrimejaram.
- Rust está bem. - Ele não precisava dizer mais nada. Loukamaa já sentia o sabor amargo da perda do seu outro amigo.
- Ele... A família... Deus! - A mulher permitiu que as lágrimas escorressem sem impedimento algum.
"Mesmo sabendo que um dia a vida acaba, a gente nunca está preparado para perder alguém." Nicholas Sparks foi sábio na escolha dessas bem verdades. A morte é sempre deveras devastadora. Quando ela chega, vários sonhos e sorrisos se vão. Nunca estaremos preparados para ver alguém partir mesmo sabendo que este é ciclo natural da vida. A morte é cruel, nos deixa sem chão, sem data prevista para reerguer o aprumo, para a retomada das rédeas do caminho a percorrer quando se resolve seguir em frente. Morrer pode doer, mas é infinitamente pior continuar existindo com uma parte morta dentro de você, o famoso morrer em vida.
Quando Fuller fez menção de proferir algumas palavras de consolo, a porta do quarto abriu-se, revelando a figura de um médico que mais parecia personagem de seriado de televisão. Quase caricato,o homem era alto, másculo. Tinha a barba cerrada e os dentes tão brancos quanto aqueles que se mostra em propaganda de creme dental; os cabelos levemente grisalhos, bem como os olhos azuis compunham o seu ar galante, sedutor. Se Lin estivesse na posição de sentir-se atraída pelo sexo oposto, aquele seria um forte candidato para um flerte, talvez. Mas, no momento, a pobre só pensava em uma coisa: ir para a casa e esquecer todo aquele pesadelo.
- Joalin... Loukamaa... - O bonitão verificava a informação no prontuário que carregava nas mãos. - Eu sou o Dr. Steve. Como se sente?
- Tirando o incômodo dessa tipóia e do latejar dos pontos na minha perna, estou relativamente bem.
- Permita-me verificar. - O médico descobriu a perna da agente que só naquele momento prestou atenção na camisola ridícula com a logomarca do hospital que usava - Sem sinal de inflamação. O incômodo é normal. Vou ler prescrever um medicamento para dor. - O homem foi retirando devagar a beirada do curativo no ombro da loira a fim de ver como andava o ferimento do raspão do projétil. - Vou pedir um enfermeiro para limpar, secar e trocar seus curativos. Como alguns são oclusivos, não permitem a entrada de ar. Eles atuam como barreira impedindo a perda de fluídos, enfisema, e formação de crosta. Seus exames serão entregue na recepção junto com o papel da sua alta que estou assinando... - Ele rabiscou algo na folha que se encontrava por cima na prancheta... - agora! Seria interessante que essas trocas de curativos fossem feitas em um ambulatório para não termos problemas.

A Filha do Presidente| Joalina Onde histórias criam vida. Descubra agora