Quando tudo parece estranho...

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Algumas pessoas aprendem que é benéfico ocultar sua verdadeira motivação para atingir suas metas. Em vez de optarem seguir pelo caminho da sinceridade, inventam razões superficiais para suas solicitações ou para justificar suas ações. Está indivíduos iludem os outros, agindo com segundas intenções.
É fácil para um ser manipulador controlar-se e não falar de seus pensamentos em voz alta, mas não é tão fácil encobrir seus verdadeiros sentimentos em seus gestos e expressões faciais. Existem muitas contradições entre as palavras e o olhar.
O bom humor da primeira-dama era deveras atípico, ainda mais em se tratando de tão tenra hora da manhã. Lin, por um segundo, acreditou que a esposa do Sr. Fernando havia retornado de viagem com o estado de espírito mais leve, no entanto, a loira era treinada em leitura de linguagem corporal, logo percebendo que a fala, a postura e o semblante de Ale, se contradiziam entre si.
A matriarca da família, antes de terminar seu desjejum, recebeu uma ligação urgente, indo atender em outro cômodo. No primeiro instante em que se viu sozinha com a comandante,  Sabina deu graças aos céus, erguendo simbolicamente as mãos para o alto.
- Eu amo a minha mãe, mas às vezes as conversas com ela são tão enfadonhas que oro mentalmente para que algo nos interrompa. - A morena disse em tom baixo, temendo ser ouvida por alguém que não fosse Joalin.
- Não dia isso, Srta. Hidalgo. Ela... é uma boa pessoa. - A voz da mais nova carregava traços de seriedade, haja visto que ela percebeu que a primeira-dama não era uma pessoa em que se podia depositar confiança, portanto, todo o cuidado com as palavras era pouco.
Percebendo que havia algo incomadando a outra, a filha do presidente delicadamente limpou os cantos de sua boca, repousando o guardanapo sobre a mesa, e levantando assim que se viu satisfeita com a refeição.
- Eu preciso ir ao canil. Poderia acompanhar-me, comandante?
- Estou aqui exclusivamente para isso, senhorita.
Oferecendo um sorriso fraco para a loira,  Sabina iniciou sua caminhada pela rota que se dava na área externa. Ela estranhava a maneira como Lin passou a tratá-la após o incidente com sua mãe, e obviamente queria saber e entender os motivos, se é que existia algum.
Ao irromperem os limites do imóvel que lhe impedia de ver o jardim, bem como a área da garagem, as mulheres depararem-se com uma cena deveras atípica: Ale estava contando com alguém que não podia identificar o rosto. A posição em que Joalin e  Sabina estavam não era favorável, deixando-as suscetíveis à curiosidade.
- Com quem será que a minha mãe está conversando? - A morena fez uma pergunta retórica, franzindo o cenho em estranheza.
- Não faço a mínima ideia. Não me foi informado absolutamente nada à respeito de visitas.
Joalin respondeu a verdade, mas, em se tratando de sua perspicácia ímpar, um detalhe - que estava passando despercebido até então -, saltou-lhe aos olhos. A placa não lhe era estranha, e em segundos, agente federal lembrou-se de que a conhecia bem. Era um dos carros dos May.  Preferindo manter o silêncio de ouro, uma vez que não tinha a certeza sobre o que se passava ali, Joalin fez um gesto com a destra, indicando à outra que prosseguissem o caminho.
As mulheres percorreram alguns metros até a herdeira sentir-se segura para perguntar.
- O que está acontecendo, Loukamaa? Algum problema?
- Não. Nenhum problema, senhorita. - Hidalgo lançou-lhe um olhar incrédulo.
- Voltamos ao "senhorita"?
- É o pronome de tratamento correto, não é?
- Ai, Joalin, não me irrite logo cedo.
- Desculpa. - A mais nova suspirou - Eu... estou receosa depois do que a sua mãe fez. Tive a impressão que ela sabia algo sobre nós e usou aquela suposta brindeira bem humorada para nos alerta ou sei lá o quê. E eu não posso arriscar mais o meu emprego,  Sabina. Não posso arriscar o seu bem estar.
- Eu também suspeitei do comportamento dela. A D. Ale tem os seus rompantes, os seus momentos onde nem parece ser a mesma pessoa controladora e manipuladora que é, mas eu a conheço bem, Lin. Mamãe não sabe sobre nós. Se ela desconfiasse de algo, não agiria com sarcasmo. Você já estaria bem longe daqui e eu ouviria horas ininterruptas de sermões e lições de moral e boa conduta. Isso se ela não cismasse em me tratar como uma adolescente e me impor um castigo.
- Está falando sério? - Os passos de ambas eram suaves, lentos e rítmicos.
- Seríssimo. - A morena riu. - É absurdo, mas se fosse diferente, não se trataria de minha mãe.
- Pois esse é mais um motivo para tomarmos cuidados extremos. Não posso, não vou arriscar.
- Espera. -  Sabina interrompeu a caminhada - É a segunda vez em poucos minutos que fala "não posso arriscar". Joalin, só o fato de viver acordar já significa que está se arriscando, e essa proporção de risco aumenta ao longo do dia quando exerce sua função. O que mais você espera? Se você terá esse receio todo em conversar normalmente comigo, eu prefiro que não continue me aco, modando. - A mais velha suspirando, virou-se e continuou sua investida até onde estavam seus cães.
- Ei! - Olhando discretamente para os lados, à fim de verificar se alguém a observava, a comandante deu uma breve corrida para acompanhar a outra, fazendo-a parar ao tocar seu braço - Também não é assim. Só quero te proteger. Imagina o inferno que seria se seus pais descobrissem?
- Um dia eles saberão...
- O que tinha no seu café que a tornou tão destemida assim? - Elas se entreolharam por alguns segundos, rindo em seguida.
- Sempre soubemos que não seria nada fácil, Joalin. Não quero enfrentar meus pais, nem estou preparada para isso, mas também não quero que me trate com indiferença quando estivermos à sós, ou que surte à cada vez que algo parecido com o que houve hoje mais cedo acontecer.
- Eu sei. Desculpe-me. Ainda preciso me adaptar com essa situação. Preciso aprender a lidar com o fato de que somos duas contraventoras. - A loira sussurou a última palavra, arrancado uma breve risada da outra.
- É uma lástima que com eles aqui fiquemos impedidas de fazer nossas "festinhas" no meu quarto livremente...
- Que festinhas? Filme, guloseimas e alguns beijos? - Joalin provocou.
- E existe coisa melhor do que isso?
"Ah, existe. Claro que existe,  Sabina."
A comandante pensou, mas jamais ousaria falar. Não até terem intimidade suficiente para comentarem algo a respeito de coisas relacionadas à sexo. Lin tivera outro sonho erótico com a herdeira na noite passada, e as lembranças que ela imiginava estarem adormecidas, retomaram a sua mente naquele instante. A mais nova teve que bufar baixo e morder o lábio inferior para se controlar. Joalin desejava  Sabina, desejava conhecer cada curva daquele corpo. Desejava, mas temia ainda não ser a hora certa.
"Hora certa... isso soa tão arcaico!"
- Ai, ai! - Joalin ia responder a pergunta da outra quando foi tomada de susto com Pipoca mordiscando sua perna por trás, querendo brincar - É você, seu danado?
- Ted! Vem aqui também, garotão! - Hidalgo chamava o outro cachorro fazendo gestos com os dedos da destra, rindo da interação entre a loira e o seu animal de estimado - Pensei em adotar um gato, mas eles são muito independentes. Acho que eu enlouqueceria de preocupação se o bichano sumisse ao passear por esse casarão.
- Ah, isso com certeza aconteceria. Ele ia passar o dia fora e depois retornaria para comer e dormir. Típico. Já tive um. Até eu me acostumar com essa rotina, passei por maus bocados. Minha mãe é quem sofria os maiores danos. Eu chorava imaginando que algo ruim tinha acontecido, meu pai chorava junto, e ela tentava a todo custo nos animar e consolar.

A Filha do Presidente| Joalina Onde histórias criam vida. Descubra agora