Ninguém Sabe o que o Futuro Reserva

192 30 7
                                    

Entre as várias divisões instituídas dentro da Agência de Serviço Secreto americano, uma bem importante é a contraposição entre os policiais que atuam ostensivamente e os que atuam no administrativo. Existe uma guerra velada nesse meio. Alguns operacionais acusam os administrativos de privilégios, de viverem longe dos riscos e desgastes das "ruas". Em contrapartida, os que se mantém em horários centrais dentro do escritório, com direito a noites de sono em casa todos os dias, impreterivelmente, teimam em alegar a importância de seus esforços na estruturação da operacionalidade. Trabalham viabilizando uma melhoria nas condições dos que estão na ativa. Essas não são afirmações excludentes, e sim correlacionadas. Um não existe sem o outro e devem atuar em conjunto.
Fuller teve que usar de boa lábia para convencer uma de suas melhores agentes a aceitar passar oito horas diárias atrás de uma mesa, cuidando de planos de saúde, aquisição de equipamentos de proteção, armamentos e toda a burocracia que existia por trás da segurança da cúpula administrativa do país.
Os pais de Joalin também tiveram certa relevância no que concernia à decisão tomada pela filha. Talvez a conversa séria que mantiveram por mais de quatro horas ao telefone, tenha sido um dos fatores que a levou a não abandonar a carreira. A loira insistia no fato de não suportar viver aprisionada; ela necessitava de noites insones, de utilizar o seu preparo físico no desenrolar das ocorrências para sentir-se útil de verdade. Os riscos de confronto eram como o bombear do sangue no coração, significava vida. Seria um sacrifício, um suplício ter que suportar a infelicidade de não fazer o que lhe era aprazível.
Todo mundo tem um dia ruim. Acorda atrasado, o cabelo não se ajeita como deveria, o trânsito se torna caótico em demasia, tropeça nas escadas do trabalho, descobre que seu superior está mais mal humorado que você. Para Loukamaa, essa sucessão de acontecimentos diários e deprimentes, tornara-se limítrofe no momento em que acordou e não desejou levantar-se da cama. Punição, sacrifício. Sua ida até o trabalho nada mais era do que tortura, pura e tão somente.
A loira olhava fixamente para a tela do notebook à sua frente; contava em voz baixa os "tique-taques" do relógio barato, importado da China, que fora pendurado na parede mesmo sob seu protesto. O tédio parecia misturar-se ao oxigênio do recinto, algo que exalava dos poros da agente e impregnava onde ela tocasse.
Duas batidas na porta puderam ser ouvidas, interrompendo e atrapalhando sua contagem. Algo a mais para insatisfazê-la.
- Posso entrar? - Fuller mantinha um sorriso constrangido no rosto.
- Se não for claustrofóbico, entre. - Lin resmungou, pegando o lápis jogado em cima do bloco de notas, desenhando uma figura indecifrável no papel branco.
- Não seja exagerada. Vai se acostumar. E... até que aqui não é tão mal. Pode mudar a decoração. Sabia que temos verba para isso? - Seu tom ameno poderia até ser reconfortante em outra situação, mas no momento não passava de desperdício.
- Não acostumarei nunca! Tenho que respirar devagar, pois sinto que o ar vai esvair-se a qualquer instante.
- Já pensou em ser atriz? - O homem sentou-se frente à loira - É... daquelas de filmes dramáticos... - Lin revirou os olhos para seu superior - Desculpa, só quero descontrair o ambiente.
- Traga um cheeseburguer triplo com milk shake para mim que iremos descontrair o meu estômago. É o melhor que posso lhe oferecer.
- Já disse que adoro o seu senso de humor? - Simon riu, mas desfez-se do ato, quando não percebeu retribuição da outra parte - Entendi. Nada de gracejos. Bom, vim aqui para lhe pedir ajuda.
- Ajuda? - A estranheza fez Joalin erguer o sobrolho esquerdo.
- Sim. A placa do veículo que colidiu com o que você dirigia, foi clonada. Descobrimos mais cinco carros com a mesma combinação e nenhuma das informações que cruzamos foram compatíveis, sequer coerentes. Não há muitos Camry's vermelhos rodando pelas ruas de Washington, e os que existem legalmente, comprovamos não ser o carro que procuramos.
- Droga! - A agente tombou o corpo para frente, deitando a cabeça sobre o móvel por alguns segundos - Retornamos para a estaca zero, então?
- Coletamos uma amostra de tinta que ficou no amassado da batida. O laboratório irá liberar o resultado em dois ou três dias ainda.
- E como eu posso ajudar?
- Tentando se lembrar de mais algum detalhe. Algo que aparentemente seja irrelevante, mas que possa elucidar esse caso.
- Comandante, eu tento, juro que tento a todo o momento, mas...não há mais o que lembrar. Repassei cada segundo em minha mente, do instante em que saímos da Casa Branca, até quando acordei com Rust me sacudindo.
- O jeito vai ser pressionar o laboratório e torcer pelo resultado satisfatório. - Fuller levantou-se - Falando em Casa Branca... eu tenho que ir. Hoje é o jantar que o presidente está oferecendo para o governador e sua família.
- Meus pêsames. - A loira falou entre dentes, fazendo o homem balançar a cabeça negativamente.
- Juízo, heim?
- Ah, mais tarde devo ir buscar alguns pertences meus que ficaram no dormitório. Vou aproveitar que todos estarão ocupados, não correndo o risco de encontrar com ninguém indesejado.
- Tudo bem. Até mais tarde.
- Tchau.
Joalin suspirou ao desviar o olhar da porta sendo fechada para a pilha de pastas contendo documentos, relatórios e mais uma infinidade de papéis inúteis. Quis abandonar a pose de durona e chorar; descarregar os sentimentos presos em seu peito. Externá-los demonstraria fraqueza, mas quem se importava? A loira estava só naquele cubículo de 45 m², e ninguém mais a incomodaria, a não ser a equipe de limpeza que sempre vinha no início do horário noturno.
A agente pôs-se de pé a olhar através da vidraça o mundo lá fora, o vaivém das pessoas, a vida acontecendo. A melancolia a fez engolir em seco, percebendo as cores da rua contrastando com o seu interior.
De repente, a sala da agente especial Joalin Loukamaa, foi tomada pelo som de Deeperise tocando Crush, em um remix que Heyoon havia apresentado à ela.
- Por favor, que não seja mais problema. - Balbuciou a mulher antes de atender o telefonema - Chora, bebê.
- E aí, como você está? Fiquei preocupada. Há dois dias não dá notícias. - A morena tentava ser cordial com a amiga.
- Heyoon, eu não estou depressiva, não sou uma ameaça à mim, nem aos outros, por enquanto. Portanto, não precisa se preocupar. Não posso ficar entrando em contato o tempo todo. Eu trabalho, sabia?
- Aham. Agora fale a verdade. - Joalin bufou.
- Uma droga, uma merda! Sinto-me tão chateada, entediada, que a impressão que tenho é de que vou explodir!
- Calma, loira. Bom, podemos beber, se isso adiantar...
- Não funciona. No dia seguinte tudo continuará nessa mesmice alucinante.
- E a filha do presidente? - Lin franziu o cenho com a pergunta inusitada.
- Sabina? O que tem Sabina?
- Não se faça de desentendida, Lin. A trata pelo primeiro nome desde quando?
- E o que tem isso? É o nome dela, não é?
- Por que ficou nervosa? - A agente não daria o braço a torcer jamais, mas seu tom falho denunciava uma ansiedade latente.
- Não estou nervosa, nem nada parecido. Só não gosto de suas insinuações.

A Filha do Presidente| Joalina Onde histórias criam vida. Descubra agora