Desde os primórdios da humanidade, ainda quando pequenos, aprendemos que na vida existe o certo e o errado, o preto e o branco. Aprendemos que falar a verdade é o certo, mentir é errado. Ser educado é certo, mas a grosseria é errada.
Quando tornamo-nos adultos, o julgamento entre o certo e o errado, atrelado à culpa que a sociedade e nós mesmos impomos, torna-se ainda mais rígido. Não nos permitimos errar, tornamo-nos cada vez mais severos, abarrotados de regras, reprimindo sentimentos, desejos, espontaneidade e tudo o mais que, por muitas vezes, é considerado o lado negro de nossa alma. Porém, a verdade, é que todos somos seres ambíguos, somos ambos os lados de uma mesma moeda. Temos a obscuridade e a luz dentro de nós; somos honestos e corruptos, meigos e cruéis; somos profissionais e vagabundos, e tudo isso representa a graça e plenitude das diversas fases pelo qual passamos em nossas vidas.
Tudo seria mais fácil, mais leve, se deixássemos de ser menos julgadores, passando a ser mais "vivedores" de nós mesmos e de nossos anseios. Permitir tropeçar para se reerguer, errar para consertar posteriormente. Entender que a vida não se encerra em um amor e um trabalho, ela é um ciclo e muda com frequência. O que é certo hoje pode ser errado amanhã, e vice-versa. E só pode ser considerado totalmente impróprio aquilo que nos faz mal, caso contrário, mergulhar de corpo e alma pode ser sua melhor decisão.
A cabeça de Joalin girava e ela não conseguia pensar em mais nada que não fosse a sensação da maciez dos lábios de Sabinapressionando os seus. O sabor do beijo dado já minutos atrás ainda podia ser sentido em sua boca, como se o ato não tivesse sido findado.
Ela ofegava, sentia o estômago embrulhar, estava em pânico. A loira teve que firmar seu corpo de costas em uma pilastra, fechar os olhos e tentar se acalmar antes de tomar qualquer outra atitude. Joalin esforçar-se para organizar seus pensamentos, mar estavam tão embaralhados como certas em início de jogo, flutuando pela mente, que ela não conseguia nem ao menos expulsá-los. A sua incapacidade de coerência e discernimento a enervava ainda mais. Lembrou-se dos olhos marejados de Sabinaao pedir desculpas pelo rompante, lembrou-se de que fugira, desencorajada de continuar o que podia ser sua ruína.
A comandante correu, literalmente, para a ala dos dormitórios. No caminho, em um corredor que dava acesso às saída Norte daquele andar, ouviu a voz de Rust à dialogar com um colega de trabalho. Lin precisava fazer algo, precisava desabafar, tomar conselhos de alguém que pudesse analisar toda a situação de maneira neutra, sem prévios julgamentos e olhares inquiridores. Obviamente que seu subordinado não seria essa pessoa, mas ele a ajudaria a obter o êxito no seu intento que acabara de tornar-se prioridade.
- Rust... - A loira aproximou-se, receosa - É, bem, desculpa interrompê-los, mas... eu preciso falar com você.
- Oh, claro. - O rapaz fez sinal para o outro que, após um cumprimento com a cabeça, retirou-se do recinto, deixando-os a sós - Pode falar comandante. - Ele a olhava de cima a baixo, discretamente, com o sobrolho erguido, por conta de seus trajes, ato esse que não passou despercebido pela mulher.
- Recebi uma ligação urgente e vim do dormitório às pressas para te procurar. Nem tinha me dado conta disso... - Seu tom era um tanto quanto constrangido.
- Não há problema algum. Só é... diferente vê-la livre do terno, apenas de camiseta, calça e sem sapatos. Além do que, só soube que tinha retornado à Casa Branca, pois vi seu carro estacionado na garagem... - A loira o repreenderia pelo comentário, mas aquele lapso era por sua culpa totalmente de seu descontrole emocional de instantes atrás.
- Então... eu vou ausentar-me por alguns minutos e preciso que dê uma atenção especial à Srta. Hidalgo. Sei que é noite. Provavelmente ela não deixará o quarto, nem irá requerer absolutamente nada, contudo, não se pode garantir. Para que nossa protegida se sinta mais segura, peça a alguém para ficar posicionado debaixo da janela de seu quarto.- Acha que podem querer entrar aqui novamente?
- Eu não acho nada. Isso é por ela e tão somente em precaução. - Joalin suspirou lembrando-se da noite passada e do medo que a morena sentiu - Não sei quanto tempo irei demorar, mas estarei aqui antes que acorde.
- Se necessitar que eu a cubra para...
- Não se preocupe com isso. Atente apenas ao seu trabalho. Agora eu tenho que ir.
Meneando afirmativamente como em cumprimento, a comandante afastou-se, deixando o rapaz sem muito entender. Em seu "quartinho", trocou de roupa o mais rápido que pôde, pela pressa e pelo nervosismo. Seu raciocínio lógico ainda estava comprometido, e nesses casos, só uma pessoa seria capaz de lhe ajudar.
Já dentro do seu automóvel, antes de dar a partida, Joalin acessou a sua discagem direta, ligando para a melhor amiga. Demorou alguns toques para Heyoon atendesse sibilando.
- Oi, mulher. Algum problema? Me ligando à essa hora...
- Está em casa?
- Estou com a chave no trinco para sair. O que foi?
- Não saia, por favor. Estou indo até você.
- Lin, está me deixando preocupada.
- Ninguém morreu, ninguém se machucou, mas é sério e eu preciso falar contigo senão vou explodir.
A aflição da loira era notória em cada palavra. Raramente Jeong a viu tão consternada daquela maneira. Joalin geralmente era o ícone mor de controle sentimental, mas, apresentando-se inconstante em seu ritmo respiratório, oferecia sinais suficientes de que algo estava muito errado ali.
- Ok. Eu... te aguardo.
- Certo.
Lin nem se de ao trabalho de despedir-se da amiga. Apenas encerrou a chamada, jogando o celular no banco ao lado. A pressa a impediu até de colocar o cinto de segurança coerentemente, lembrando do mesmo alguns quilômetros depois, ao fazer uma curva e sentir seu corpo livre em demasia quando inclinou para frente.
O trajeto até o apartamento de Heyoon foi feito em tempo recorde. Mas também pudera... Ultimamente a loira vinha quebrando muitas regras sem pensar direito nas consequências posteriores. Avançar sinais e dirigir acima da velocidade permitida era uma delas.
- Se os vizinhos reclamarem do barulho, eu juro que vou te estrangular Joalin Loukamaa. - A amiga ralava ao abrir a porta com rapidez, devido às batidas insistentes da outra.
- Eu preciso te contar algo, mas tem que manter segredo absoluto. Absoluto. Existe o sigilo médico, não existe? Então... é disso que preciso. - A comandante disse, enquanto ia adentrando a sala, sentando-se no sofá à bater o pé direito ritmicamente no chão.
- Lin, sigilosa é a relação médico e paciente, e não amiga e amiga desesperada. Se relatar algo que não te comprometa física e mentalmente ou a outrem, eu... eu não posso garantir nada.
- Mas que droga, Heyoon! Não é minha irmã? - A loira levantou-se por alguns segundos, tirando a carteira do bolso traseiro da calça. Buscou por todas as notas que tinha disponíveis, jogando-as sobre a mesinha do centro - Pronto. Isso paga uma consulta com a Dr. Jeong.
- Ai, Joalin. - Heyoon sentou-se a suspirar, buscando por paciência - Sabe que isso não é necessário. Só... me conte o que houve. Vamos lá.
- Eu beijei a Sabina.
- Você o quê?
- Quero dizer... ela me beijou e eu não a impedi.
- Como... como foi isso, amiga? - Heyoon deixou o sofá em frente para sentar-se ao lado da loira.
- Nem sei por onde começar...
- Tente... pelo começo. - A coreana de cabelos compridos sorriu na tentativa de deixar Joalin mais confortável.
- Há dois dias, o presidente e a primeira-dama viajaram. Hidalgo deveria ir com eles, mas ficou para trás sob a desculpa de que estava adoecida. Era mentira. Ela preparou todo um esquema para fugir.
- Fugir? Como uma adolescente?
- Quase isso... - A comandante ensaiou uma risada - Eu desconfiei e a impedi, obviamente. Só que... não consigo descobrir o que aquela mulher tem que parece me hipnotizar. Ela fala e me olha de um jeito, como se enxergasse a minha alma. Sabiname confidencializou parte de seus segredos mais profundos e sombrios. Reconheceu outra vez que se comportou mal comigo, ou melhor, que se comporta mal diante de algumas situações e... chorou. Não foi nada forçado, nada como se ela quisesse comprar a minha consciência com boas doses de drama. Não... Hidalgo, definitivamente, vive dentro de uma bolha de mentiras. Foi impossível não me emocionar e compadecer de sua situação. Ela demonstrou tanta honestidade, que a conexão especial que surgiu entre nós, deu-se instantâneamente. Com isso, acabei sendo induzida pelos meus atos impensados e... saí nesses dois dias sozinha com Sabina.
Heyoon, que até então se mantinha em silêncio, apenas escutando com atenção tudo o que a amiga dizia, manifestou-se para melhor entender a situação como um todo.
- Você saiu sozinha com ela, tipo... um encontro?
- Não! Não! Hidalgo nunca pôde viver uma vida normal, longe dos flashs das câmeras, longe dos olhares astutos dia seguranças. Eu a levei escondida para comer cachorro quente, andar de bicicleta, tomar sorvete, essas coisas simples que fazemos rotineiramente, mas que para ela eram ainda novidades.
- Lin, tem noção do risco que correram? Foram alvo de um ataque histórico há poucos meses. As investigações não foram concluídas e mesmo que tivessem sido, nada garante que não estejam sob a mira desses bandidos, ou de outros até. Pôs a vida das duas em risco.
- Eu sei. Eu sei. Por isso disse que foi um ato impensado. Na verdade, até pensei nesses prós e contras, porém, optei por arriscar. Você tinha que ver os olhinhos dela brilhando quando respirou profundamente o ar ao caminhar livre pelas ruas. Foi... lindo!
- Assim como os seus olhos estão brilhando agora, marejados?
Joalin conduzia a sua fala, mantendo um sorriso genuíno e saudoso nos lábios. Porém, logo se desfez do semblante alegre, abaixando o olhar. Limpou uma lágrima solitária que escorreu pelo seu rosto, aprumando o corpo em seguida.
- Sabinaficou feliz, muito feliz. Nós estávamos assistindo há uma hora e... aconteceu. Ela nunca teve nada disso na vida e, de repente, aparece uma pessoa se oferecendo para ajudar de formas e em coisas que ninguém nunca tinha feito antes. Uma pessoa que praticamente adivinhou tudo o que sempre ansiou e esperou de alguém. Ela sabia que eu não poderia, de jeito nenhum, estar simplesmente me infiltrando nos seus desejos, feridas e inseguranças mais íntimas e fingindo ser a resposta, porque a vulnerabilidade dela, também é a minha. Heyoon... - Joalin, vencida pelas suas emoções, abraçou a amiga, permitindo-se desabar, chorar, externar o que vinha guardando já há algum tempo - Acho que... tudo acabou. Eu não posso simplesmente voltar para a Casa Branca e continuar o meu trabalho como se nada tivesse acontecido. Esses dias não mudaram só a vida da pobre rica filha do presidente. Mudaram a minha também. Eu estou diferente, eu sinto coisas diferentes. Não vou conseguir olhar para Sabinae não me lembrar como a maldita língua dela se encaixou perfeitamente na minha. Droga! Eu só... preciso esquecer isso. Eu preciso que me ensine algum método para esquecer completamente o que houve. - Joalin afastou-se para encarar a amiga - Ela é a herdeira presidencial e eu sou uma agente do serviço secreto. Existe uma distância imensurável entre nós. Existe ética profissional, hierarquia, mundos diferentes que jamais poderão se fundir. Eu só... preciso esquecer...
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A Filha do Presidente| Joalina
FanfictionÉ um paradoxo que alguém possa se sentir solitário apesar de ter uma vida cheia de atividades, destinos e tarefas. Infelizmente, essa é a realidade para muitas pessoas, inclusive para Sabina Hidalgo. Sendo a filha do presidente dos Estados Unidos da...