A Maldição do Boto - Parte 3

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Aterrorizados demais para voltar para casa, decidimos ir para Lenita, eu e Bruno.
Ela abriu a porta assustada e pediu que entrássemos sem ao menos pedir por explicações, era notável o medo em nossas expressões.

Enxuguei-me, pus roupas secas, e quando estávamos acomodados na cozinha, ao redor da mesa de madeira, contei-lhes tudo que acontecera, tudo.
Mas não antes de abrir uma garrafa de conhaque que Lenita guardava há meses, era necessário esquentar o corpo e trabalhar a mente naquele momento.

Ninguém sabia o que falar.

Por alguns minutos o silêncio tomou conta daquele cômodo; o cricrilar dos grilos era mais forte do que tudo. Servi-me de mais uma dose num copo americano, tanto Bruno quanto Lenita estavam acompanhando-me em meu ritmo de bebedeira, a garrafa já estava pela metade.

– O que a gente faz agora? — Perguntou Lenita.

– A gente mata o boto e acaba com tudo. — Disse Bruno.

– Acaba? Ou piora tudo? — Perguntou Lenita — Talvez a gente possa pedir ajuda ao pastor Hélio, eu acredito nele, é um homem de fé. — Continuou.

– Eu também sou. — Respondi.

Nunca gostei de pastores nem de igrejas, a verdadeira fé reside em cada um, e fé é algo que eu não tinha há muito e muito tempo.

De repente, o som de batidas ecoou pela casa.
Alguém na porta da frente. A apreensão tomou conta de todos nós, já deviam ser três e tantas da madrugada.

Mais batidas, nos entreolhamos.

– Abra a porta, por favor! Eu posso lhe ajudar.
— Uma voz feminina ressoou do lado de fora e confesso que me senti um pouco menos tenso.

Bruno correu até a pia e pegou uma peixeira no escorredor de louças, empunhando-a.

– Melhor prevenir do que remediar. — Falou.

Me servi de outra dose, assim como Lenita.
Levantamos e fomos até a porta.
Lenita a abriu, eu fiquei atrás da porta e Bruno encostado na parede ao lado dela, escondido.

– Gorete?! Ah, oi, boa noite... — Disse Lenita.

– Onde está o seu irmão? Chame-o até aqui, eu posso ajudá-lo. — Ela disse.

– Não acho que agora seja um bom momento.
— Falou Lenita.

Senti-me curioso, como a bruxa poderia me ajudar? Do que ela sabia?

– Minha jovem — disse Gorete gentilmente — Seu irmão está correndo grande perigo, o que aconteceu? Vocês sabem quem ele deixou irritado?

– Velha — Disse Bruno se desencostando da parede e ficando atrás de Lenita, levando a mão que segurava a faca para as costas — A última coisa que precisamos agora é de superstição e que uma bruxa venha nos colocar medo. Como Lenita falou, agora não é um bom momento.

– Espero que quando esse bom momento chegar não seja tarde demais. — Disse Gorete — Voltaremos a nos encontrar, boa noite.

Ela se retirou calmamente, Lenita fechou a porta.

– Talvez você tenha sido um pouco duro demais? — Perguntei.

– Só assim ela ia largar do nosso pé, mas talvez ela possa nos ajudar mesmo. — Disse Bruno.

– Com bruxaria? Perguntou Lenita.

– Talvez. — Eu disse — Talvez...

Voltamos a beber, dessa vez na sala.
O sol já estava a nascer, os primeiros raios começavam a iluminar o céu.
Raquel chegaria hoje e eu não tinha ideia de como lidar, ou até como começar a contar tudo que aconteceu, não estava em condições físicas, mentais ou psicológicas de recebê-la. Me sentia bêbado, cansado, amedrontado e sem vontade alguma de ir para casa.
Aqui ficava um pouco mais distante do rio e para mim isso significava mais segurança.

Curtas Histórias Macabras Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora