Capítulo 4: Metade Da Laranja

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A noite estava mais fria do que o comum nesse dia trágico, mas o castelo real não estava tão congelante assim. Quando Anabel os levou de volta, os jovens corajosos foram tratados devidamente, Bernado não queria deixar André sozinho naquele lugar, sugeriu que o garoto passasse a noite em sua casa, especificamente em seu quarto.

O seu quarto, por ser um dos principais, tinha um tamanho magnífico. As janelas eram enormes, era possível enxergar uma verdadeira paisagem, e as acompanhando as cortinas eram ainda maiores e grossas. No mesmo local havia uma cama de casal com vários travesseiros e cobertas, enquanto o resto do quarto havia alguns armários, estantes cheias de livros, uma sala com sofás chiques e desenhos dourados para realçar o azul das almofadas, no centro desses assentos, uma pequena mesa de madeira e um candelabro apagado.

Pegando alguns livros e um castiçal, Bernado falou, "O que você acha de ler alguns contos? Até que você durma pelo menos."

André afirmou com a cabeça, enquanto olhava para os livros que seu amigo trouxe. Deitando um ao lado do outro, Bernado entregou o castiçal para que André segurasse enquanto lia algum conto aleatório.

"É um pouco difícil a leitura deste." Disse André.

"Você tem razão..."

A porta fez um barulho um pouco enferrujado, e Anabel que estava vestindo sua camisola de seda, entrou no quarto segurando um candelabro.

"Vim perguntar se vocês queriam compartilhar comigo as goiabinhas que as cozinheiras fizeram."

"Quer, Dré?"

"Eu...Gostaria de experimentar."

Anabel então os levou um prato com as goiabinhas para os dois enquanto se sentava de pernas cruzadas na cama. Os três comiam com muita calma, percebendo que André já estava um pouco melhor, ela sorriu. "Aproveitando a noite, vocês querem saber um conto que eu ouvi com algumas das pessoas do exército?"

Um pouco hesitante, André perguntou, "Que tipo de conto?"

"Um romântico."

Bernado parecia curioso. "Nunca achei que você gostasse de romance."

Ela começou, "Sendo uma ramificação de um conto asiático, como o fio vermelho, havia uma história sobre um casal incomum, mas ela se passava nas nossas quatro grande regiões."

Os garotos estavam atentos a cada palavra de Anabel, que deu continuidade ao conto. "Em tempos antigos, haviam duas princesas que eram de regiões opostas, mas por um acaso do destino, elas se conheceram quando vieram falar com uma feiticeira lendária. As jovens mulheres se apaixonaram, mas como poderiam ficar juntas sendo de regiões opostas? O tempo era difícil e as guerras continuavam, os reis e rainhas preferiam manter a guerra do que formar uma trégua, elas se amavam, como poderiam se separar? Era o certo a fazer, uma delas teria que encerrar a batalha, mas o fim seria com a morte. A princesa que sobreviveu, não teve coragem de acompanhá-la, jurou que até o fim de sua vida, juntaria todas as metades da laranja, para que ficassem juntas."

"Nunca vi laranja nascer pela metade!" Exclamou Bernado. André riu de suas palavras, e Anabel o respondeu.

"É só uma metáfora Bernado, que insensibilidade!"

Mas algo não fazia sentido na cabeça do jovem que continuou a questionar sua prima. "Mas eu não entendo, eu não iria querer morrer sabendo que meu amado está vivo! Eu no lugar dela iria fugir nem que fosse para o outro lado do mundo!"

"Mas eu não entendo...Devo dizer que a teoria do Bernado é a melhor." Concordou André.

"Devo dizer que sim..."

As velas foram apagadas, e Anabel os colocou corretamente na cama. Mesmo estando com um semblante sério e palavras rudes, ela realmente amava aqueles dois garotos como se fossem seus irmãos mais novos. Deixando tudo organizado, ela se virou para sair, no pé da porta, olhou uma última vez para os garotos adormecidos com rostos tão calmos. Bem melhor, realmente, bem melhor.

Era o que ela esperava, mas na realidade, Bernado estava acordado. Não é um dia em que ele pudesse simplesmente dormir, essa era a paz que seu pai havia dito? Por que aquelas regiões estavam na pobreza? Por que André tem que sofrer tanto? Ele não conseguia as respostas para essas questões, mas já sabia o que fazer. Ser um rei não deveria ser fácil, mas Bernado iria dar o máximo de si. Viver em um lugar onde a violência é a coisa mais comum o possível é desagradável.

André também continuava acordado. Ele sentiu seu amigo apertar sua mão com muita força, isso o preocupou, mas não parecia haver nada errado. Pensando novamente em como era tão fraco que não pôde proteger a sua pessoa mais amada. André estaria disposto a se tornar um dos melhores lutadores das quatro regiões, ele também poderia procurar algo como ser um estudioso, um diplomata, se as guerras não acabassem só com combate, mas talvez palavras? Doeu demais ver pessoas importantes sendo machucadas, não era nada confortável.

Dois garotos que estavam prestes a arriscar tudo, um pelo outro, pelo reino, mas seus traumas jamais seriam esquecidos facilmente.

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O rei ficou sabendo dos ocorridos assim que voltou de suas longas reuniões. Ele estava irado, e gritou com o primeiro subordinado que entrou em sua sala. "Vocês não acompanharam meu filho por quê? Ele vai para cá e para lá, e vocês não conseguem ficar de olho em uma criança? Para que eu os pago? Se ele estivesse morto, todos vocês seriam punidos por seus crimes!"

"Sua Majestade, este servo errou. Não achamos que ele iria parar nas regiões mais perigosas."

"Deveriam pelo menos imaginar! Quero que aumentem a companhia dele. Afinal, como ele está? Ele ainda poderá usar esse braço no futuro?"

"Respondendo Sua Majestade, o príncipe está bem, foi um corte profundo, mas estará bem dentro de alguns meses."

"Faça o que for preciso, nesse tempo em que ele estiver repousando, traga algum professor para ele. Chega de desperdiçar tempo, ele tem suas próprias obrigações. Algo mais a acrescentar?"

"O príncipe trouxe um garoto com ele, esse mesmo garoto é filho de uma das melhores professoras."

"Deixe-o com Bernado, se ele quiser o fazer de servo, quem decide isso é ele."

O jovem soldado saiu. O rei estava preocupado com seu filho, mas não havia nada que ele pudesse fazer.

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Já haviam se passado algumas semanas desde o acidente, e André conseguiu um passe para entrar no castelo e visitar seu amigo quase todos os dias. Ele aproveitava para ter algumas aulas junto de Bernado, aprendendo sobre política, geografia, matemática e a história das grandes regiões. Enquanto não estava fazendo uma visita, André também treinava um pouco seu corpo, mas fazer isso sem nenhuma orientação era realmente difícil.

Sua mãe voltou para casa depois de algumas semanas, mas ainda não sabia do ocorrido, quando foi conversar com seu filho, deu a notícia de ter um novo marido. Isso chocou André. "Nós não vamos sair daqui? Eu não quero me mudar!"

"Meu filho, fique calmo. Por enquanto, ficaremos aqui."

"Por enquanto..."

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Notas:

Para quem não conhece, goiabinha é isso aqui (pelo menos onde eu moro)

Para quem não conhece, goiabinha é isso aqui (pelo menos onde eu moro)

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