final

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Era impossível não ser dominado pela melancolia ao entrar naquele apartamento a combinação de branco e castanho que ela tanto reclamava não parecia contribuir minimamente para mudar esse estado, não havia um resquício de pó no apartamento e tudo permanecia com a mesma elegância e requinte, apesar de meio escuro pelas cortinas fechadas era fácil andar por aquele lugar conhecia aquele sítio na palma da mão e por algum motivo talvez o meu obscuro estado mental e emocional não  realizei o ritual de apertar o interruptor antes de passear pelo apartamento, fui até ao quarto chocando o meu corpo exausto contra alguns móveis mas não liguei, não conseguia lidar, a dor física se tornava supérflua perto do estrago em que se encontrava a minha mente,  a minha cabeça estava tão embaçada, nublada pela dor deixando o meu corpo  alheio a dor e a qualquer estrago que possa estar causando, entrar naquele apartamento nunca foi tão doloroso, ver aquela fotografia posicionada naquela escrivania que dera tanto trabalho escolher nunca foi tão difícil, chorei tanto nos últimos dias que o toque húmido escorrendo pelas minhas bochechas se tornou familiar, naquela fotos eu e ela sorriamos me perguntava se seria capaz de sorrir daquele jeito de novo, me perguntava se depois de tudo seria capaz de seguir em frente, se depois de tudo como conseguiria sobreviver sabendo que em algum momento a dor dele, do causador de todo o mau que eles viveram ia passar e ele ia simplesmente seguir em frente sem pagar por nada, sem sofrer metade do que ele lhe fez sofrer era injusto desejar que ele passasse pelo mesmo?  Que ele vivesse a mesma dor o que passasse por coisa pior? Provavelmente sim mas apesar da consciência desse facto ainda assim tudo o que eu queria era que de alguma forma ele pagasse por essa dor que estou sentindo, eu só queria que a trouxessem de volta, eu queria poder voltar a ver o sorriso dela e poder fazê-la feliz, eu daria tudo para a ver sorrir ao menos mais uma vez.

E se eu pudesse recuar no tempo?
em que ponto eu teria parado especificamente? Eu poderia ter evitado que eles se conhecessem
Eu poderia ter parado no dia em que eu achei toda aquela história divertida, no dia em que eu achei que ela deveria experimentar uma paixão e deixei que decidisse tudo por si mesma, poderia ter parado no momento em que ignorei todas a minhas desconfianças em relação a aquele homem e preferi achar que o única problema que ela teria seria uma pequena rixa com Bruna, ou naquele dia no hospital quando eu aceitei a deixar sozinha naquele quarto por alguns minutos, porque esses minutos que eu perdi foram cruciais.

eu estava na Rússia, tinha feito uma denúncia sobre o desaparecimento de minha amiga em que acusei Zayn mas depois de me explicarem conforme a lei o facto de ser adulta e ter fortes hipóteses de ela ter ido por vontade própria com Zayn, e por isso eu não tinha nenhuma base para abrir um processo contra ele resolvi fazer por mim próprio e segui-lo de modo a saber por ele onde raios estava a minha amiga, Zayn me descobriu e quando eu achei que tudo estava perdido  ele mesmo me trouxe para aqui e me prendeu nesse maldito quarto de Hotel do qual eu não podia descer nem para beber água e não tinha acesso a qualquer meio de comunicação.

Em algum momento ele disse que estava fazendo aquilo porque  quando ele encontrasse Kayhana ela ia precisar de mim, talvez na mente doente dele essa frase me ia acalmar mas teve um efeito totalmente contrário pois só me deixou consciente de que minha amiga não estava desaparecida apenas para mim e que o nível de perigo que eu supunha que ela estava submetida fosse apenas um eufemismo perto da realidade, o medo e a raiva estavam instalados em mim em quantidades avassaladoras, eu me sentia perdendo a perceção e a noção de qualquer coisa que não fosse o facto de a minha amiga estar desaparecida e eu não me poder mover para procura-la, na minha cabeça vários cenários foram criados e nenhum deles era positivo eu queria pensar positivo, manter a esperança, mas até está capacidade foi cessada da minha mente
4 dias depois da minha chegada nesse lugar Kayhana finalmente está na minha frente mas o alívio que eu pensava que ia surgir depois que  eu a visse de novo não surgiu eu tinha medo eu não vim aqui para isso, eu vim buscar a minha amiga, não vim aqui para ver piedade sendo transmitida nos olhos de quem a devia salvar de quem devia fazer até o impossível para a salvar, se o médico já a largou, se o médico já fez tudo que estava ao seu alcance como ele mesmo diz qual o motivo de ela ainda parecer tão mal, tão frágil e sem alma? Por quê que os lábios dela estavam nessa cor e a sua pele pálida?  E os seus olhos? Por quê que não abrem? Por quê que se quer se mechem?

Eu só queria a ver sorrir de novo, eu só queria a ouvir falar mais uma vez eu fiquei com ela pelos últimos instantes da vida dela e ela sequer se dignou a sorrir para mim, por quê que ela não acordou quando eu chamei por ela na cama daquele hospital? Eu sei que eu fui um péssimo amigo que eu não cuidei dela o suficiente, eu pedi desculpas, eu me desculpei por não ter cuidado dela por não ter estado com ela, eu pedi desculpas por tudo mas ela não me respondeu, ela pelo menos me ouviu?

Por algum motivo quando eu a vi naquela cama o meu medo não foi sanado, a esperança não ressurgiu e a ideia de dias melhores não se fez presente na minha mente perturbada, pelo contrário a nostalgia chegou em uma abundância colossal, enquanto eu ganhava a visão do corpo dela tão afetado pelos eventos a que foi submetida também surgia a sensação de perca eu sabia que quando ela saísse daquela cama as coisas jamais voltariam a ser as mesmas, eu sabia que tinha irreversivelmente perdido a minha amiga, a felicidade de finalmente estar com ela veio somada e de certa forma dominada por sensações negativas que eu não poderia explicar, mas em algum momento uma pontinha de esperança surgir juntamente com um gemido e um balançar de pálpebras, ela estava acordado. Estava abrindo os olhos eufórico mas preocupado eu fui até a porta, e talvez esse tenha sido o meu primeiro erro, eu gritei pela enfermeiram.
E quando ela surgiu entoando palavras que eu desconhecia mas que levavam a óbvia perceção de que se tinha de sair, eu saí sem relutar ou hesitar, talvez eu fosse muito covarde para ver a minha amiga naquele estado, mas eu deixei o meu coração naquela sala junto daquela menina de cachos negros e pele chocolate eu deixei o meu coração. E quando cerca de uma hora depois eu vi médicos e enfermeiros passarem por mim apressados pelos corredores daquele hospital eu não precisei ver a porta em que entraram para saber que jamais teria o seu coração de volta.

FIM

A Única entre Quatro Onde histórias criam vida. Descubra agora