Uma semana após a saída de Gabriel do hospital
- Olá, Sra. Almeida. Desculpe-me chegar sem avisar. - Os olhos da mais velha capturam o pequeno pacote nas mãos de Mateus. Com um sorriso gentil aceita seus cumprimentos. - Eu queria ver Gabriel.
Ela sabia disso. Uma hora ele viria. Ficou surpresa quando ele a escutou e não foi o visitar mais vezes no hospital, talvez suas palavras tenham sido o suficiente naquele momento, não mais agora pelo jeito.
- Mateus, sente-se por favor. Vamos tomar um chá. - Com um aceno rápido, a servente o prepara conforme o pedido.
- Vou ser sincera com você. Acho que você entende meu lado e fico feliz por isso. - Mateus não havia tocado na xícara, seus olhos agudos focados nos dela. Abaixando a própria xícara, Gloria suspira. Não queria mais forçar um jogo de simpatia com ele, quando os dois sabiam bem o rumo daquela conversa.
- Gabriel acabou de voltar para casa, ele está se recuperando bem. Fazendo os exercícios físicos, a fono, a terapia o está ajudando a entender esse momento pós coma. Mateus, eu sei que você o ama, não duvido. Mas essa relação não era saudável para Gabriel, nunca foi. Você pode ter ignorado, mas eu sou mãe e não posso ver meu filho passar ... eu não posso e não vou deixa-lo passar por aquilo novamente.
Mateus se mantém quieto, o que a surpreendeu. O rapaz geralmente a contrapunha com suas opiniões, porém, seus olhos demostravam cansaço.
- Eu não tenho nada contra você. Mas eu também não posso fingir que não estou me sentindo mais calma, finalmente Gabriel está livre desse sentimento doentio. - Ela sabia do peso de suas palavras, mas não se importava. Ela queria que Mateus sentisse o suficiente para que cada palavra entrasse em seu coração e permanecesse por lá, que sangrassem. - Ele aos poucos estava se tornando alguém que eu não conhecia. Ele podia achar que te amava, mas você sabe que não era amor. Era obsessão. Você foi o primeiro que conseguiu suprir esse sentimento de abandono dele, mas agora ele está livre disso.
Vendo como estava conseguindo o atingir, Gloria segura a mão dele.
- Por favor, eu te imploro Mateus. Vá viver sua vida. Eu não tenho certeza do quadro dele, o médico ainda está o examinando, a terapeuta também. Estamos todos atentos a qualquer mudança. Mas tudo indica que ele possa ter superado esse quadro, e se isso se confirmar... - Um sorriso esperançoso toma a face de Glória. - Meu filho vai poder ser normal.
- Ele sempre foi normal. - Mateus sussurra.
- Não. Ele não era e você sabe disso. Mas agora ele pode ser, eu tenho medo dele lembrar de tudo e voltar a ser tão necessitado de você. Isso me assusta.
Mateus queria dizer que eles poderiam ver isso conforme o tempo iria passando. Ele queria uma oportunidade para conhece-lo melhor, entende-lo. Por mais que a situação dele fosse clínica, os seus sentimentos eram reais. Mateus o amava. Mas podia ler através dos olhos da Sra. Almeida que ela não o deixaria entrar na vida de Gabriel, não enquanto ela estiver responsável por sua melhora.
- E se ele lembrar? - Gloria solta sua mão e clareia sua garganta, desmanchando o nó que se formou.
- Vocês já estarão separados. O médico disse que há poucas chances dele lembrar de tudo e todos, é mais provável que ele sinta certo reconhecimento, no melhor dos casos, consiga resgatar as lembranças mais antigas. Nada é certo.
Gloria podia ver a tristeza que narrava todo o corpo do rapaz a sua frente. No entanto, ela faria qualquer coisa pelo bem de seu filho. E o melhor era Mateus desaparecer de suas vidas.
- Pelo amor que você tem por ele, o deixe. - Não conseguia ter certeza se atingiu seu objetivo por todo, então, complementa com sua última cartada. Não era confortável para ela falar aquilo, mas era necessário. - Foi encontrado cocaína no organismo dele após o acidente.
Como previsto, acertou. Mateus a olha espantado.
- O acidente foi causado porque ele estava sob o efeito da droga. Mesmo quando ele estava com você, mesmo que ele tivesse bons momentos, ele ainda precisava de ajuda. A cada briga ou mesmo a cada vez que você não o correspondia da forma como ele queria, Gabriel reagia mal, Mateus. Longe de você, mas ainda acontecia. É isso que você quer trazer de volta? O seu amor é tão egoísta assim?
°°°°
Gloria o observa deixar sua casa atordoado. O sentimento de missão cumprida instalava em si. Ela não se importava em ser vista como a vilã. Nunca foi sobre a relação dos dois, se Gabriel fosse um garoto como os outros, sem seus problemas adicionais, ela não teria problema em aceita-los. Porém, seu filho precisava de estabilidade e Mateus Pereira não poderia compreende-lo.
Se Deus o deu uma nova chance de ter uma nova vida, Gloria o ajudaria por esse trajeto. Encarando a pequena embalagem que Mateus deixou em cima da mesa decide joga-la no lixo.
°°°°
Mateus vai atônico em todo o caminho para casa.
Não sabia como chegou tão rápido ou como chegou, mas assim que fecha a porta atrás de si, se deixa cair contra ela até o chão. Tarde entendeu que chorava. Seu corpo tremia em condolências por si mesmo.
Como ele pode ser tão cego. Como não pode ver as mudanças de humor, os ataques repentinos, os sumiços. Gloria tinha razão, seu amor era egoísta. Vaidoso demais para notar que seu relacionamento estava sendo sustentado por uma faceta que Gabriel forjou para eles.
Você ainda me ama?
Quando vai se casar comigo?
Às vezes, eu sinto que não importo para você.
Não quero te perder, não desista de mim.
Se um dia você achar que não me quer mais, não se esqueça que meu correção já está na sua mão.
A dor dilacerava seu peito em partículas. Ele não poderia retornar a vida dele. Não quando sabia que somava ao que poderia faze-lo mal. A culpa assentou em seu ombro, tal qual uma companheira. Amar também se configurava desistência da pessoa amada. Ele não se importava consigo, o mal que Gabiel fazia a si próprio não devia ser negociável. Mateus toca a pulseira que presenteou os dois depois de seu primeiro encontro. As pequenas bolas pretas e brancas intercalavam-se, algumas já despojadas.
Um sorriso carregado de desgosto recobre a face de Mateus.
- Me desculpe, Gabriel. Me desculpe.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Quando tudo der errado, segure o meu coração (Reeditando)
RomansaGabriel acorda após um ano em coma. Sem memórias e aprendendo a lidar com uma realidade desconhecida, torna-se um desafio saber quem foi antes do acidente. Aos poucos vai descobrindo que nada parecia estar certo em sua vida antiga. De tal forma que...