Não fazia ideia de quantas horas estava sentado ali. Eu nem mesmo sabia como vim parar aqui. Depois de deixar o consultório da psicóloga eu só queria retirar toda a confusão da minha cabeça e jogá-la para longe, como não tinha como, eu queria me jogar para longe.
" Gulf, você tinha transtorno de personalidade limítrofe, mais conhecido como borderline."
"É caracterizado por um padrão generalizado de instabilidade em relacionamentos, autoimagem, humor e comportamento, bem como hipersensibilidade à possibilidade de rejeição e abandono. "
"Por causa de seu transtorno você tinha medo de ser rejeitado e abandonado, em parte porque não queria ficar sozinho. O seu diagnóstico veio por base em sintomas bem específicos como sua reação a outras pessoas com quem você se importa; sua sensibilidade e reações de grandes proporções aconteciam caso essas pessoas, com as quais você se importa, não correspondessem da forma como você desejava. Por isso, o levava a certos comportamentos suicidas, mais como uma tentativa de aliviar esse seu estresse pessoal, tal como sexo não seguro, automutilação, dirigir de forma imprudente, ter problemas com uso de substâncias ou gastar excessivamente."
Anne soava tão calma ao me contar o que eu tinha que quase não acreditei que estava entendendo da forma correta. Eu não estava surpreso, mas eu não gostava nem um pouco do que estava sentindo. Tudo fazia sentido. Eu sempre fui o responsável por todas as desavenças e dores na vida daqueles que me cercam.
Gloria queria me manter longe da verdade porque ela não queria voltar a ter aquele Gulf como filho.
Mew não me queria de volta porque ele não queria passar por tudo de novo.
Eu não queria voltar a ser aquele Gulf.
Mas agora parece tarde demais, não tem como combater algo que era parte constituinte de mim mesmo.
"Como não sou mais sua psicóloga e não estou te acompanhando desde que acordou, não posso apontar sobre a possibilidade do retorno do transtorno. Mas Gulf a nossa mente é o lugar mais universal em nosso corpo, funciona de maneiras extremamente impressionantes. Olha, o transtorno de personalidade limítrofe é comum variar e são poucas as porcentagens de diagnosticados, menores ainda nos homens. E os sintomas tendem a amenizar na maioria das pessoas com o passar do tempo.. "
Eu fui diagnosticado aos dezoito anos.
Era bizarro escutar aquilo tudo. A tela de minha vida começava a ganhar mais formas e elas eram assustadoras de se ver.
" ... outros transtornos ocorrem concomitantemente, e no seu caso, você tinha ansiedade e acabou desenvolvendo depressão."
Eu era um grande fodido.
"Na maioria das pessoas com transtorno de personalidade limítrofe os sintomas diminuem e com frequência desaparecem Gulf, essa era a nossa meta com os tratamentos. Mesmo que essa melhora não necessariamente representa conseguir manter relacionamentos estáveis ou manter um emprego, por exemplo. O tratamento tem como objetivo ajudar a pessoa a ter um funcionamento melhor, bem como reduzir os sintomas. Você deixou a Psicoterapia meses antes do acidente. Eu não sei o motivo, mas também parou de vir as consultas. Não posso afirmar se largou os medicamentos, mas eu penso que há grandes chances."
"A psicoterapia é uma intervenção psicoterapêutica específica para o transtorno de personalidade limítrofe e consegue reduzir comportamentos suicidas. Ajuda a aliviar a depressão e melhorar o funcionamento do paciente. Era extremamente importante que você comparecesse."
E eu não fazia ideia do porquê eu deixei de ir. Eu larguei tudo?
"Olha, por consequência desse medo de ser deixado sozinho, a pessoa tende a sentir que não é importante, existe esse vazio dentro de si. E quando a pessoa com este transtorno sente que está prestes a ser abandonada, ela normalmente fica temerosa e com raiva. Pequenas coisas, triviais, podem deixa-los em pânico ou furiosa, como chegar atrasado ou algo do tipo. O paciente acaba conduzindo essa sensação das ações das pessoas e pensa que essas ações alheias significa uma ausência de sentimentos."
"Ou seja, o paciente pode acreditar que um compromisso cancelado significa que está sendo rejeitada pela outra pessoa, logo colocando esse outro como um má sujeito. A intensidade da reação reflete o grau de sensibilidade a rejeição. "
Ela não me disse mais sobre, mesmo que tenha dito o suficiente. Talvez leu o quanto eu estava desconfortável com o que me contava. Anne me dispensa com um cartão de uma nova psicóloga, ela me pediu, com uma aperto firme em minhas mãos, que eu procurasse a pessoa a quem indicava.
Anne não podia me contar, mas pelo jeito meu pai não queria fazer esse papel. Ele sabia também. Toda a minha família sabia e estavam escondendo de mim?
Ao deixar seu consultório, ainda bombardeado e confuso, eu queria saber mais. Eu queria me comprometer comigo mesmo a adentrar em cada detalhe do meu transtorno. Era quase obsessivo, meus dedos digitam rápidos, meus olhos liam tudo o que podiam encontrar sobre o tema.
Eu não deveria ter feito isso.
Fazer esforços desesperados para evitar o abandono (real ou imaginado).
Ter relacionamentos intensos e instáveis que se alternam entre idealização e desvalorização da outra pessoa.
Mudar frequentemente a autoimagem ou senso de si.
Agir impulsivamente em, no mínimo, duas áreas que poderiam prejudicá-la (como praticar sexo inseguro, alimentar-se compulsivamente ou dirigir de forma imprudente).
Ter repetidamente comportamentos suicidas, incluindo tentativas e ameaças de suicídio e automutilação.
Ter mudanças rápidas no humor, que normalmente duram apenas algumas horas e raramente mais do que alguns dias.
Sentimento de vazio crônico.
Sentir raiva intensa e não justificada ou ter dificuldade em controlar a raiva.
Ter pensamentos paranoicos temporários ou sintomas dissociativos graves (sensação de que não é real ou desprendimento de si mesma) desencadeados por estresse.
Sentimento de vazio crônico.
Choro comigo mesmo e por mim. Anne não afirmou mas eu ainda tinha, não tinha? Eu não quero ser assim. Eu não quero ter esse transtorno. Eu não quero fazer as pessoas sofrerem. Eu não quero sofrer.
Essa era a primeira vez em que chorava de verdade desde que sai do hospital. Soluço encarando o sol no horizonte. E por algum motivo o sol me lembrou Mew. E eu choro mais. Os olhos tristes dele... ele me dizendo que o fiz mal... porque eu o fiz mal. Eu me fiz mal.
Toco meu pulso.
Eu estava doente.
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Quando tudo der errado, segure o meu coração (Reeditando)
RomanceGabriel acorda após um ano em coma. Sem memórias e aprendendo a lidar com uma realidade desconhecida, torna-se um desafio saber quem foi antes do acidente. Aos poucos vai descobrindo que nada parecia estar certo em sua vida antiga. De tal forma que...