A sinceridade está nos olhos de quem vê

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- O que vamos conversar? Você está bem meu amor, precisa de algo? - Glória passa suas mãos em meu rosto, checando com seus dedos cada parte. - Já faz uns dias que você está meio quieto, alguma coisa aconteceu? 

Eu tirei alguns dias para afirmar minhas ideias. Não queria agir por impulso, também me dei tempo para me ajustar com o fato de que eu tinha um transtorno. Por mais que quisesse, eu não teria como ignorar isso. E cheguei a conclusão de que minha mãe era a mais interessada na minha situação, ela sabia até mais que Mew. 

- Estou bem, não se preocupe. - Afasto suas mãos de mim e caminho em direção ao sofá. Ela me acompanha, se sentando a meu lado.

- Vou pedir um chá, que tal? 

- Tudo bem. - Eu não tinha nenhum sentimento contrário desfavorável a ela, afinal, era a minha mãe. E desde que acordei ela sempre estava ali, me checando, me perguntando se eu precisava de algo, até mesmo me sufocando, podia ver o seu amor por mim. 

Glória era linda. A idade não lhe fez efeito nenhum. Seus cabelos continuavam pretos como a noite, imagino que com o auxílio de tinta, seus olhos puxados carregavam leves linhas de expressões, tal como passageiras despreocupadas. Mas havia em seu jeito de se portar, de falar, algo altivo, agressivo, que poderia render a quem fosse que tentasse rebaixa-la. 

- O que foi Gulf? - Tomo um gole do chá, tentando manter o que eu queria dizer em raciocínio único. Sem distrações. 

- Eu sei que eu tinha transtorno de personalidade limítrofe. - Gloria acena calmamente, mas vi quando se apressou a repousar a xícara na mesa de centro e unir suas mãos em um gesto apertado. 

- Como você soube? - Sua voz soava incrivelmente serena. 

- Não importa mãe. O que eu quero saber é o porquê você não me contou? - Procuro nos seus olhos a verdade, mas ela desvia.

- Foi Mew, certo? Foi ele, não foi? - Ela parece desacreditada. 

- Não, não foi Mew. - Pouco importava se ela colocasse a culpa nele, no entanto, eu não queria que ela achasse ser ele. 

- Por que você quer saber sobre isso? É passado Gulf! O que importa é que você está bem agora. O médico me disse que há grandes chances de você não voltar a desenvolver esse quadro. Meu amor, deixe isso para lá. - Ela segura minhas mãos, agora ela parecia exaltada. Com medo. - Você está sentindo alguma coisa? Alguma mudança? 

- Talvez. - Dito isso, ela me solta. Eu praticamente conseguia ver seu cérebro trabalhando. 

- A terapeuta me disse que você estava bem. - Sorrio. Eu estava certo, ela estava em consonância com a terapeuta.

- Mãe, não adianta tentar esconder isso. Foi parte de mim! Você acha mesmo que daria para ignorar essa parte?

- Achei e acho Gulf. Você não tem ideia do que você passava. Acredite em mim, você não quer voltar lá. E eu também não. - Essa era a primeira vez que ela usava um tom duro comigo. Seus olhos sérios e profundamente determinados. 

- E você achou mais justo culpar Mew por tudo o que eu tinha? - Gloria aspira com uma risada carregada de escarnio. 

- É isso então, Mew... - Suspirando, acena como se em debate consigo mesma. - Não é sobre ser justa Gulf. Eu acompanhei o seu processo desde o início, desde o diagnostico, e mesmo antes disso, eu vi o quanto você mudava. Mew foi um paliativo que acabou se tornando danoso para você. Seja lá o que vocês dois estão conversando, você não estava bem naquele relacionamento. 

- Eu tinha um transtorno mãe, eu não daria certo em nenhum relacionamento. Mas pelo jeito a senhora preferiu transferir a culpa para ele. E me ausentar. 

- Porque você estava doente Gulf. Eu só queria o seu bem! Eu sou sua mãe e tudo o que eu faço é para o seu bem. Você era obsessivo com aquele rapaz, você não sabia lidar com ele. E você se decepcionava toda vez. E a cada jantar eu tinha que te ver com um novo problema, eu tinha que catar os cacos que ele te deixava. Você acha que eu gosto de lembrar que eu tive que ajudar meu filho a vomitar seu estomago para fora porque bebia até não aguentar mais? Ter que evitar que você parasse de tomar o remédio! 

Gloria me encarava aturdida. 

- Você parou de tomar o remédio Gulf. Tudo depois de estar com ele. Eu não sabia o que estava acontecendo porque você me excluiu da sua vida. E tudo o que eu recebia de você era uma versão descontrolada. E agora, depois de tudo, você quer que eu fique revisitando esses momentos? É isso? 

- Não foi culpa dele. Ele não sabia. - Gloria bufa, provavelmente achando que eu acabei de dizer uma grande besteira. 

- Se eu fui injusta com ele, era tentando te proteger. E eu não vou me desculpar por isso Gulf. Pense o que você quiser, eu ainda acho que podemos viver sem ter que revisitar o seu passado. - Então, como se tivéssemos acabar de conversar amenidades, ela pega a sua xícara e toma um gole calmamente. - Quer me dizer mais alguma coisa?

- Não. - Murmuro, me sentindo acuado. Eu não poderia lutar contra ela, não fazia sentido. 

- Eu sei que deve estar sendo difícil entender tudo isso meu amor, mas, por favor, escute a sua mãe quando eu digo, tente olhar apenas para frente agora. - Ela afasta meu cabelo da testa e  dissolve um sorriso num semblante preocupado. - Vamos arrumar uma psicóloga para você, para vermos se precisa voltar com alguma medicação. 

Não conseguia acenar. Eu não quero tomar nada. O sentimento de medo florescendo em mim. 

-Tudo o que eu faço é para o seu bem Gulf. Eu não sou a vilã aqui meu amor. Eu só quero que você possa ter uma vida boa. Deus te deu mais uma oportunidade, aproveite e agarre. Vá finalizar sua pós, conhecer nova pessoas.  Ser o garoto alegre que você sempre foi. Eu não quero que os maus momentos moldem o seu futuro. Nunca. - Ela me puxa para si, abaixando minha cabeça, deposita um beijo em minha testa. - Eu te amo filho. 

Permito que ela seja afetuosa, mas sentia certo incomodo internamente. Está longe de meus alcance duvidar dela. O que eu poderia dizer a mais se não sorrir de volta. Agora, ela manejou de tratar aquele assunto de maneira que ela mesma tivesse o controle sobre o que eu faria em seguida. 

Um coisa era certa. Glória conseguia em até certo nível me manipular. 

Quando tudo der errado, segure o meu coração (Reeditando)Onde histórias criam vida. Descubra agora