O último adeus

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Mew gritou muito no barco. Ele gritava em qualquer que fosse o brinquedo que se disponha a estar mais de 10 cm do chão. Eu fiquei preocupado, mas não conseguia controlar minhas risadas. Eu não me lembro de rir tanto desde o dia em que abri meus olhos para esse mundo na cama daquele hospital. 

A cada saída de um novo brinquedo os cabelos dele estavam uma bagunça, os olhos parcialmente fechados e as bochechas avermelhadas. Apesar de parecer querer vomitar, estava fofo. 

- Você é um fracote. - Toco seu cabelo, o consertando. Ajeitando para o modo natural e charmoso de sempre. Mew acena e me olha incrédulo. 

- Eu senti como se meu coração fosse sair pela boca. Quem foi o maldito que inventou essas coisas? Isso é tortura. - Ele sussurra se apoiando em mim. 

- As adolescentes estão rindo de você. Que vergonha. - Um grupo de meninas próximo a nós ria da nossa cara na maior transparência possível. 

Mew olha para o grupo e as meninas param de rir quase que instantaneamente. Não havia como ele estar ameaçando-as, ele parecia que iria desmaiar a qualquer momento. Então, mesmo não vendo seu rosto, sabia que elas estavam apenas babando para beleza do medroso que estavam zoando há segundos atrás. 

Direciono meu olhar para Mew, acho que ele não percebeu graças a seu estado atônito pós viagem no brinquedo, mas estávamos muito próximos um do outro. Minha mão ainda se encontrava em seu cabelo e me aproveito para enfiar meus dedos,  sentir os fios macios de sua nuca. Mew cheirava bem, era tão leve que contrastava com a sinfonia dos outros odores do parque. 

- Acho que preciso me sentar Gulf. - Quando seus olhos voltam pros meus, a nossa proximidade se tornou assustadoramente real. Conseguia até mesmo ver sob as luzes coloridas as pequenas e quase imperceptíveis sarnas que ele tinha sobre o seu nariz. Ele estava lindo assim. Mas se afasta rápido demais. 

- Ok, vamos procurar algo para comer! - Ele acena. 

Eu tinha o direito de me sentir da forma como estou? Depois de entender nosso passado, eu realmente posso reivindicar os sentimentos de Mew de volta se não tenho certeza dos meus? Parecia errado, porque eu ainda não lembrava dele. Mas parecia ainda mais errado deixa-lo ir, sendo que me esforcei tanto para mantê-lo antes! 

Achamos um restaurante pelas proximidades, era pequeno e aconchegante. Mew decidiu por um sanduiche e suco, disse que se sentia enjoado ainda. O dia estava escurecendo, as nuvens não mais tão brancas, agora num tom cinzento pincelavam a tela escura que o céu estava se tornando. Meu momento com Mew estava chegando ao fim. 

Entre um brinquedo e outro, não conversávamos muito. Na maior parte do tempo ele estava gritando. No entanto, teve esse momento que eu gostaria de levar como uma nova memória nossa. Eu o pedi para ir comigo no brinquedo dos cavalos mágicos - que era basicamente os pôneis saltando em círculos- foi ridículo, mas alguma parte de mim implorou para que eu fizesse isso. 

- Vamos Mew, o funcionário disse que adultos podem ir nesse também. - Mew me olha incerto. 

- Gulf, só tem crianças ali. 

- O que que tem? - Levanto meus ombros. Sim, só haviam crianças. Mas se era permitido adultos, não seria um problema. 

Mew franze a testa para mim, seus lábios entreabertos. 

- Por favor vai! Esse pelo menos não é alto. - Volto a rir lembrando do passeio anterior. Mew revira os olhos. - Vou pagar esse mico com você, vamos. 

Estendo a minha mão para ele. Seus olhos mostravam a tamanha vontade de dizer não. Mas ele estende a sua mão e segura a minha. Não sei o que ele leu no meu sorriso, mas fui correspondido, pela primeira vez no dia. E aquele sorriso iluminou o meu coração. 

- Aquelas mães estão olhando para gente. - Mew estava lindo no pônei rosa. Segurava na barra dourada; enquanto o brinquedo rodava, meus olhos focavam em Mew. Retiro meu celular do bolso e tiro fotos suas. - Ei, isso é utilização da imagem privada alheia. 

- Você é meu namorado, nada alheio.  - Torno meu tom jocoso, funciona, pois Mew sorri. Mas por dentro, sentia como se fosse verdade. - Além do mais, as mães estão divididas entre são um casal? Ou são dois amigos de palhaçada no brinquedo infantil? 

- Devem estar pensando: grandes idiotas. - Posiciono minha câmera para que pegue nós dois no frame. Mew não se esquiva e faz careta para câmera. 

- Possivelmente: que dois idiotas gotosos. - Mew gargalha e uma criancinha na nossa frente vira para trás. 

- Vou contar para minha mãe. - Ela nos dá língua e vira sua cabeça de tal forma que o seu rabo de cavalo voe. 

- Se eu contar para minha ela também não vai gostar. - Murmuro para mim mesmo. 

Mew não olhava para mim. E eu sei disso porque eu olhava para ele o tempo todo. 

- Obrigada por hoje, foi divertido. 

- Eu também achei. - Ele não diz mais nada. A ausência de palavras de sua parte era um tapa em mim. Ele não tinha o que saber de mim, porque já me conhecia. Eu que não o conhecia. Estava em desvantagem aqui. E não sabia como virar o jogo. Queria que ele se interessasse a ponto de estar curioso sobre mim, mas nós já passamos dessa fase. 

- Eu sei que posso estra enchendo o seu saco, mas fiquei pensando sobre você e nossa relação. Eu entendo que não era perfeita e que nós nos magoamos. Mas você disse que me ama ainda, passar esse dia comigo foi realmente bom para você? - Se esse seria nossos últimos momentos, vou fazer com que não sobre nenhuma dúvida. 

Mew suspira. Seus olhos voltaram ao tamanho normal, no entanto, as bochechas continuavam rosadas. 

- Foi. Foi muito bom. - Ele me olha gentil. - Mas para ser sincero, é difícil Gulf. - Assume num tom desanimado. 

Havia algo em seus olhos que não conseguia alcançar. 

- Foi difícil desde que você sofreu o acidente. Depois você acordou e eu não pude te ver. E agora, está sendo mais difícil porque em certo momento eu esqueci... eu me esqueci de tudo e por breves momentos achei que éramos nós. E não ache que não está sendo difícil por um fim nisso, dói a cada vez que você me olha desse jeito.

Seu tom sai seco. Quase como se queria rasgar essa barreira de seus próprios olhos. Mas não consegue. 

- Você não me deixa ir. É suposto eu seguir em frente também. Você tem a oportunidade de não lembrar o que fomos mas eu não tenho. Eu ainda estou aqui com cada sentimento. Com cada culpa. 

Era como se estivéssemos sozinhos. Não via mais ninguém além dele. Meu coração começa a bater angustiado. Sob a mesa, esfrego minha mão no tecido de minha calça. Eu quero dizer tudo. Mas eu não tinha as palavras. Eu não tinha mais nada. 

E eu sabia que ele ele estava sendo sincero em suas palavras, talvez o mais sincero desde que acordei. 

- A minha mãe...

- A sua mãe sempre foi assim. Ela nunca escondeu o que queria. - Mew levanta os ombros. - E não é sobre ela. 

- Mas você acredita que ela tem razão, não é? - Era uma afirmativa e ele não nega. - Mew, eu estava desequilibrado. Não era a sua culpa. Não era culpa de ninguém. A minha desordem pessoal não era por você...

- Em algum momento eu piorei a sua situação Gulf. Em certo momento, viramos algo pesado, eu poderia... 

- Não diz isso. Não transforme o que vivemos em algo ruim. Por que você está fazendo isso? - Eu sei que soava desesperado, mas eu me sentia assim. 

Desde o primeiro momento em que a confusão de sensações caíram sobre mim, esse sentimento de que eu não conseguia me afastar dele estava aqui. Tudo era muito abstrato na minha nova vida, menos ele. Era como estar numa linda paisagem e ao final dela a maldita miragem que eu nunca conseguiria alcançar, tremula o suficiente para me fazer duvidar se era real, se eu podia toca-la. 

Eu queria poder toca-lo.   




Quando tudo der errado, segure o meu coração (Reeditando)Onde histórias criam vida. Descubra agora