A realidade opera em tais situações

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- Sinto muito pelo seu casamento.

Jino me encara com uma irritação forçada, sorrio para o meu irmão. Desde que voltei a ter mais autonomia, ele fez questão de me levar para almoçar fora pelo menos duas vezes ao mês. De acordo com ele, não era um bom irmão mais velho e que se algo acontecer futuramente comigo ele não sentiria tanto remorso. 

- Ei, não sinta, você me deve duzentos mil. Como vai pagar? - Reviro os olhos e decido o ignorar. Jino era um babaca, literalmente.  - Iria ajudar a pagar o castelo que agendamos, que por sua causa minha mulher não pode casar lá!

- Isso é problema seu e dela. Se quiser aquele castelo novamente se esforce. Ela deveria ter arrumado outro marido. - Sussurro a última parte mastigando com força, Jino franze a testa, me encarando com desgosto. 

- Você é um bastardo! Acabou de voltar a sanidade e já está assim. Seu moleque! - Levanto meu copo em sua direção. Jino era engraçado, irrita-lo era minha estratégia para ele não me irritar primeiro. 

Encaro meu irmão que nada tinha de parecido comigo, a não ser os olhos, nossos olhos eram demasiado iguais, mas só. Já sentia certa proximidade com ele, talvez fosse seu jeito despojado e descontraído de ser que me fazia mais tranquilo em sua presença. De qualquer modo, mesmo com sua tendência a me deixar revirando os olhos de ranço, era legal conversar com ele. E, tirando meus amigos próximos e alguns conhecidos que haviam tocado no nome de Mateus, meus familiares seguiam fingindo que ele não existe. 

Infelizmente, de vez em sempre, minha mente retorna ao tópico acerca de quem era Mateus. Ainda mais pelo fato dele não ter tentado se conectar durante esses meses. Alguma coisa parecia deslocada, seja por parte de cá ou de lá. E eu só não conseguia deixar para ir. Marquei esse encontro com Jino, adiantando seu chamado para nosso almoço, pois a curiosidade se tornou insuportável. 

- Me conte sobre como você via meu relacionamento com Mateus. - O observo, focado a reparar qualquer mudança de sua expressão. E Jino não fazia questão de esconder as suas emoções, com isso, ele apenas deposita seu copo de suco na mesa e me olha, seu sorriso havia sumido. Por um momento, achei que ele não iria responder ou tentaria desconversar, mas ele me surpreende quando começa a falar. 

- Sabe, eu nunca aceitei muito bem, quando você disse que estava apaixonado por um homem eu fiquei chocado. Você me xingou bastante de homofóbico, levei meses para superar. Quer dizer, o Mateus é um cara bacana. E com o tempo eu vi  como você estava feliz, mais calmo até, porque você era o demônio. - Sorrio ao escuta-lo me rogar, ele nunca perdia uma oportunidade. - E, eu aprendi a rever meus preconceitos com você, eu só estava sendo idiota.

- Por que você concordou com a mamãe de não falar sobre ele para mim? - Jino se recosta na cadeira e me encara sério. 

- Porque eu também acho que seria melhor para você esquece-lo. - Não fiquei surpreso pela sua réplica, mas consternado. 

- Por que? - Desviando o olhar e observando a rua através da grande e expansiva janela ao nosso lado, diz. 

- Eu só não penso que era saudável o modo como você se sentia em relação a ele, Gabriel. Você chegou a ter comportamentos repulsivos por causa dele. Talvez, a nossa mãe só via suas ações de outro modo e para ela a solução seria te afastar dele. - Jino não parecia estar mentindo, queria cogitar outra coisa, porém, eu sabia, aqui dentro de mim, que ele falava a verdade. 

- Que tipo de comportamento? - Eu agora estava realmente preocupado com o que viria. 

- Não quero trazer de volta certas coisas que deveriam ficar no passado. - Os olhos claros de Jino, espelhos dos meus próprios, me enviavam uma profunda  melancolia. - Deixe isso para lá, viva sua vida. Você acabou de retornar por um milagre de merda, então, só siga em frente.

- Se você não me contar eu vou descobrir de qualquer forma. Mas eu gostaria de saber por você, porque agora Jino, eu não sei quem sou. E ficar no escuro é pior do que saber a verdade. Me conta. - Com um suspiro alto e inconformado, ele franze sua testa. 

- Eu não sei sobre outros, você sabia esconder muito bem o que sentia, mas teve esse dia em que vocês brigaram, nessa época eu ainda não estava a favor da relação de vocês, mas você estava fora de si. Foram três dias até eu ver que algo estava errado, era como se alguém houvesse tirado seu eu e o deixou apenas com o âmago do que poderia ser. Você se drogou por dois dias, pílulas, não comeu nada e se auto infligiu. Já reparou que você tem uma cicatriz no pulso direito? 

Não precisava olhar para saber, eu já a conhecia. Ás vezes, a noite, ficava a senti-la, me perguntando como eu a ganhei, e agora eu tinha a resposta. Antes eu achava que havia sido um acidente bobo e infantil, saber a verdade era pesado demais. 

- Veja, Gabriel. Vocês só tiveram uma discussão e você se destruiu. Acha que isso é saudável? 

- Isso tem mais a ver comigo do que com ele. - Não saberia me explicar, não lembrava. Uma risada seca sai de Jino.

- Você tinha problemas, muitos deles e eu não tinha ideia de como sua reação a ele podia ser daquela forma até o dia fatídico. Eu não sei o quanto nossa mãe sabe sobre suas merdas compulsivas, mas uma coisa é verdade, você era viciado nele. A ponto de que a presença dele na sua vida te fazia estável. Ver você aqui, bem, sem precisar dele, me deixa mais calmo, Gabriel. Porque agora você parece livre disso, você está bem. E se quer um conselho de irmão, fique longe dele. Por você. 

Quando tudo der errado, segure o meu coração (Reeditando)Onde histórias criam vida. Descubra agora