O que eramos antes do fim?

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Após Luia me contar os pormenores no qual ela sabia e havia presenciado, fui deixado em meu quarto num estado de desorganização mental. Por isso, sai catando tudo o que conseguia achar no cômodo perfeitamente arrumado. Depois de revirar cada parte, encontrei uma bolsa preta, que se encontrava no fundo do armário, nela estavam pastas e mais pastas. 

Passei horas analisando cada desenho, os traços em artes intermináveis. Sorri ao ler alguns poemas realmente ruins. E meus dedos pararam de trabalhar ao passar às paginas quando vi mais desenhos de Mateus. Esses não eram como o que havia na parede, aqui, estavam tão detalhados, que mesmo se eu não tivesse visto Mateus antes, poderia reconhece-lo através da replica. 

E existiam várias faces, com estilos diferentes, mas todas retratavam Mateus. 

O que me fez questionar o quanto éramos apaixonados. Eu o amava? Ele era importante a ponto de brigar com minha mãe e sair de casa? Se sim, por que ele nunca mais voltou? Pelo jeito, passamos por maus momentos e isso não seria o suficiente para ele vir até mim e tentar me fazer lembrar? Ele havia desistido de nós? 

Eram muitas perguntas que eu não sabia se queria ter as respostas. Apesar do que Luia disse, não estava com raiva e, sim, curioso. Perder a memória veio com um adendo de não sentir muitas coisas. O que não significava que eu concordasse com os posicionamentos de Gloria. 

A questão é: o que eu vou fazer sobre isso? Sigo em frente ou tento me adaptar ao que eu era antes? Seria possível voltar a amar alguém possuindo zero lembrança dela? 

°°°°

Faziam agora seis meses desde que sai do hospital. As coisas estavam se encaminhando bem, pelo menos fisicamente para mim. Aos poucos voltei a rotina, comecei a receber as visitas dos meus amigos, que antes era inibida pela minha mãe, ela afirmou que estava esperando o tempo certo para que eu pudesse receber o "tanto de jovem idiota que você andava", essas foram as palavras dela. 

Ela não mentiu acerca da quantidade, eu não sei como, mas parece que eu era popular. Em uma semana eu recebi mais gente do que poderia contar, todos se propuseram a me contar historias e mais historias, fotos e fatos. Alguns deles eram realmente engraçados e boas pessoas de se estar perto. Entretanto, apenas com dois entre eles que eu senti algo próximo a reconhecimento, em suas atitudes, os jeitos não me eram estranhos e com o tempo entendi que eu era mais próximos a esses dois. Luke e Guia. Eles eram meus amigos mais próximos pelo jeito. 

Passei mais tempo com eles, passeamos juntos e eles me levaram aos lugares que sempre íamos. Guia chorou dizendo que o ano sem mim foi o pior, Luke fingiu que que caiu um cílio em seus olhos e os dois se transformaram em uma sinfonia de lagrimas diante de mim. Foi divertido assistir e eu filmei, para caso um dia eu lembrasse. E mesmo se não, poderia jogar na cara deles que eu era importante. 

Eu não sabia de onde vinha, mas havia certas certezas sobre minha vida, e aos poucos eu ia compreendendo que essas supostas certezas eram apenas minha forma de ser e estar no mundo, na qual não mudou. A terapeuta parecia feliz quando contava essas coisas para ela. 

Guia e Luke me deixaram um tanto quanto a par da existência de Mateus em minha vida. De modo resumido, Guia inclusive me mostrou algumas fotos que haviam de nós dois em seu celular, e foi estranho para mim encarar aquelas imagens. Mas estranho no nível de que, eu me sentia incomodado ao vê-las. Eu só não sabia de onde vinha esse incomodo. 

 Consegui recuperar os dados de meu celular e desde que o recebi, era como assistir um filme novo. Havia muitas fotos de Mateus, nós dois juntos, vídeos dele cozinhando, nadando, pintando. Eu parecia feliz nas imagens, sempre com um sorriso aberto, espontâneo. E também haviam fotos sexuais e extremamente íntimas. E sim, eu me assustei ao vê-las. Me sentia um intruso em minha própria galeria. Porque aquele cara parecia comigo mas eu não estava em sintonia com ele. E aquele amor parecia verdade, aquele Gabriel amava Mateus. 

Eu fiquei preso em um vídeo em especifico. 

" - Você promete que irá casar comigo? -

Eu falava com um tom suave e baixo, em suplica. Mateus sorri, balançando a cabeça em negativo, seus olhos focados na estrada.  

- Isso é um não?

Minha voz agora estava mais alta e a câmera bem próxima a bochecha dele. 

- Gabriel, estou dirigindo, você quer causar uma acidente?

Mateus parecia levemente estressado, não em seu semblante mas em sua vibração. 

- Por quanto tempo vai ficar assim? Eu me caso com você. Eu faço o pedido se não quiser.

E dessa vez, minha voz soou irritadiça. A câmera é abaixada, assim só dava para ver o teto do carro. 

- Não é sobre isso, as coisas não se resolvem apenas porque as pessoas casam. As inseguranças, Gabriel devem ser resolvidas antes da união. Eu te disse, você ignorar as falas de sua mãe é um problema seu, mas não me peça para fazer o mesmo.  

Um desconfortável silencio preenche o vídeo. Eu podia sentir tal frustração, mesmo não me lembrando de nada. 

- Eu sei. Mas eu não quero agir como uma criança.

- Você deve respeita-la. Gabriel. Se continuarmos assim, não vamos longe. Isso está me estressando. Não gosto da forma como as coisas estão caminhando. É isso que você quer de verdade? Ela não é uma inimiga e não estamos em uma guerra!  

E naquele momento uma centelha de desespero inesperado soou em mim, assim como segundos depois a voz do meu eu antigo replicou em sua tonalidade.

- Mateus, eu nunca estive tão certo do que eu quero. Eu te amo e nem mesmo a minha mãe vai me impedir de te amar. Olha para mim. Você significa mais para mim do que imagina. Por favor, não desista de mim. Ok? 

Outra vez o silencio. Ele estava pensando sobre isso? Ele estaria tentando entender o futuro incerto?

-Ok.

Foi um sussurro que quase não fui capaz de escutar. Depois os sons de beijos tomou conta do vídeo e o meu eu de antes só foi reparar que esqueceu a câmera ligada quando chegamos a um apartamento, que provavelmente seria o nosso. "

Esse vídeo, por algum motivo diferente dos outros, me comoveu em algum nível. Talvez eu estivesse começando a me reconhecer, mas parecia que eu estava atormentado. Não por Mateus, mas pelo que eu sentia por ele. 

Todas as lembranças que guardei, eram muitas. Tinham mais fotos de Mateus dormindo, trabalhando de pijamas em algum escritório.

No meu Instagram haviam poucas fotos nossas, a ultima foto que postei, janeiro de 2018, era nós dois numa poraloid, a legenda " I wuv u". Estava óbvio que Mateus era meu alguém especial.

Mas quem era ele para mim agora? 

Quando tudo der errado, segure o meu coração (Reeditando)Onde histórias criam vida. Descubra agora