Não se arrependa

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Pela manhã pudemos ouvir diversos sons diferentes, era possível escutar as folhagens das árvores se agitando, o canto dos tordos, as risadas da minha família e o barulho da louça do café da manhã. Comemos todos juntos, minha mãe, Garry, Prim, Kai, Gale, Hazelle e eu. Johanna e Cressida não retornaram até agora, devem estar na casa de Rye se recuperando da bebedeira. Enquanto abro minha mala e começo a dobrar minhas roupas, minha mãe se encosta no canto de porta e fica me observando.

- O que houve? Estou esquecendo de algo? - pergunto, avoada.

- Não, não é isso querida.

- O que foi então? - ela suspira.

- Você vai mesmo voltar para lá? - Sinto meus membros contraírem - sei que você sempre quis uma vida boa para si mesma, mas...acha que la é o lugar onde você se sente feliz?

Largo as roupas que estavam em minhas mãos e as coloco na mala.

- Eu não sei - finalmente digo. - não sei o que fazer da minha vida, para ser sincera. Me sinto em um abismo.

Ela me observa solidariamente e se senta ao meu lado na cama.

- Oh minha Katniss... - toca minha bochecha e me faz carinho - não posso dizer a você o que fazer, creio que tenha que descobrir por si só.

- Está difícil.

- Bem, você não precisa voltar hoje, pode ficar até amanhã para ter mais tempo para pensar.

- É que a minha vida está toda lá, sempre se mantendo estável...

- Estar estável não significa estar contente. - viro o rosto - veja, você pode ficar aqui o tempo que quiser, estarei sempre a apoiando.

- Obrigada mãe - a abraço, cheirando seu perfume de lilás. - sinto falta dele.

Ela balança a cabeça em concordância, ainda me abraçando.

- Eu também. Sempre sentirei.

Papai.

Ele sempre teve um brilho nos olhos e vivia com um sorriso torto estampado em seus lábios finos, mesmo após um dia cheio de trabalho sempre tinha um tempo para ficar comigo e com Primrose, ele dizia que esquecia do cansaço quando estava conosco pois nada vence o amor e a felicidade. Ah, ele saberia o que fazer. Ele saberia se seria melhor eu voltar ou ficar. Quando minha mãe me deixa sozinha de novo no quarto, olho para o porta-retrato que sempre carrego de nós quatro juntos na campina e peço a ele uma luz.

Sei que se eu escolher contar a Gale de toda a verdade irei me desvincular dele e da minha vida no distrito 2 por completo, não suportaria olhá-lo todos os dias e encarar o trabalho com plenitude. Além do mais, teria que fazer amigos novos, e não sou boa com essas coisas. Certo, mas se voltaria ao 12? exerceria qual trabalho? Não há um setor de polícia investigatória aqui, o que farei? Não posso viver da renda da minha mãe para sempre. Quero ter a minha própria casa para criar meus filhos livremente sem nenhum empecilho, logo o certo não seria eu depender de nada, não passar por dificuldades. Fico com dor de cabeça, está tudo tão confuso.

- Katniss? - saio de meus devaneios quando Gale entra.

- Oi - guardo o porta-retrato de volta na mala.

- Já estou com as minhas prontas - aponta para a minha bagagem.

- Ham...sobre isso - torço a boca - irei ficar mais um dia.

- Nós trabalhamos na segunda-feira.

- Eu sei, sairei daqui pela madrugada.

Ele faz uma careta.

- Katniss, você tem que ficar comigo.

Balanço a cabeça.

- Você já está bem grandinho para ir sem mim.

- Tudo bem, vamos ficar hoje então.

É sério? Ele precisa me seguir em todos os lugares?

- Separe uma roupa para irmos jantar com os meus amigos hoje a noite - saio bufando do quarto.

Sempre que estou confusa tenho um escape que me ajuda a clarear a mente.

- Onde você vai, Katniss? - Garry me olha confuso.

- Vou caçar.

Pego meu arco e flecha que estava guardado ha uns anos dentro do armário onde há coisas antigas do meu pai, tiro o pó dele e calço minhas botas. Nunca mais cacei, fazia isso com meu pai e não ter ele ao meu lado durante esse tempo é estranho, me sinto incompleta. Quando já estou bem longe de casa me permito respirar fundo e parar por alguns segundos, fecho meus olhos e inalo o cheiro gostoso de grama molhada. A dor de cabeça passou e agora me sinto mais aliviada, então seguro o arco com força e pego uma flecha. Ando devagar e com cuidado, observando cada canto da floresta e cuidando qualquer movimento a minha volta. Vejo uma ave marrom sobrevoando as árvores e resolvo mirar nela. Erro. Vamos lá Katniss, você sempre foi boa nisso. Tento mais uma vez, pegando a flecha novamente e a posicionando em uma segunda chance. Permito que o arco encoste em minha bochecha e solto o ar levemente durante a minha concentração. 3,2,1...na mosca. Peguei você, ave. Sorrio e comemoro comigo mesma, certamente meu pai estaria orgulhoso vendo que a filha nunca esqueceu de seus ensinamentos. Desvendo mais as minhas habilidades pela tarde e caço outros animais como corvo, coelho e esquilo. Voltei para casa me sentindo vitoriosa, estou segurando um bom alimento que minha avó vai adorar em ter em seu restaurante.

Entro pela porta dos fundos da minha casa e encontro Johanna e Cressida na sala com meus tios, Gale e Hazelle. Minha tia Effie está com uma feição cansada, provavelmente não aguenta mais ouvir a mulher falar e as garotas estão se divertindo da situação com meu tio.

- Estou lhe dizendo Euphemia, faria muito bem a você ir lá para o distrito 2, não tem condições de trabalhar com moda aqui nesse distrito minúsculo e...nada luxuoso.

- Hazelle, só para constar, luxo é uma palavra diferente para nós, cada uma vê de uma forma. Você por exemplo, enxerga luxo como riqueza e poder, eu vejo como uma forma expressiva, uma identidade única que cada um possui. Então, não venha com essa história para cima de mim, estou muito bem aqui vivendo com a minha família querida, meu marido bondoso e minha loja de roupas estupefata.

Solto risadinhas ao ver que Johanna e Cressida também não estão se segurando e então todos percebem minha presença.

- Katniss! - Hazelle olha para as caças em minha mão, apavorada - o que é...isso?

- Jantar - sorrio para ela e vou em direção a cozinha.

Johanna se levanta e vai atrás de mim para conversar comigo.

- Então você resolveu ficar - pega o pote de uvas frescas que está na geladeira.

- Ficarei só hoje, Jo. - Ela ri. - o que foi?

- Está querendo enganar quem? Você ama esse lugar, adiará sua volta eternamente.

- Ah Jo...você me entende, também mora fora, sabe como é. Temos nossas vidas nos outros distritos, abandoná-las depois que já estão formadas...é difícil.

- A situação é diferente Kat, lá está a vida por qual sou apaixonada, não largaria aquele lugar por nada. - Fico calada. - é, sei que não se sente assim em relação ao distrito 2.

- Lá está tudo tão estável...aqui eu teria que recomeçar do zero - digo, limpando as caças.

Estou ficando exausta de mim mesma, dizendo a mesmice sem parar.

- Olha, se você se sente feliz e bem lá, siga em frente - come mais uma uva - mas pense: se você seguir la, irá se arrepender mais tarde? - Ela começa a se afastar - bem, daqui a pouco iremos jantar, não se atrase!

Ela me deixa sozinha na cozinha apenas junto com as caças para limpar e os meus pensamentos.

Reunidos por um casamento Onde histórias criam vida. Descubra agora