Parte III

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Langa 

A máquina na lavanderia apitou, avisando que já estava na metade do ciclo, e que eu poderia pegar minhas cuecas dali à meia hora. A casa estava vazia, então deixei a dor no corpo para sentir mais tarde e fiz o jantar. As janelas estavam abertas, meus pés congelados pela falta de pantufas e pelo vento que chicoteava as cortinas.

Depois de vestir um avental de cozinha e as pantufas, fui para o fogão virar os tofus na frigideira, que deixei fritando em manteiga derretida enquanto limpava a bancada da pia.

Um minuto mais tarde, ouvi a notificação do celular, abaixei o fogo para o mínimo, meus olhos cheios de interesse encontraram a tela e ansiosamente digitei a senha.

Mãe: "Estou chegando. Uma amiga vai jantar com a gente, tudo bem?"

Fiquei satisfeito em saber que minha mãe arranjou uma amiga, mas não era exatamente a notícia que eu queria receber. Esperava que fosse Reki dizendo o que tinha acontecido. O zelador da escola já estava de saco cheio – e com razão – de nos pegar à toda velocidade pelos corredores intermináveis.

– Vai na frente que eu distraio ele – disse Reki.

– Tem certeza? – perguntei.

– Anda logo! – ele gesticulou com as mãos, tentando me convencer. Então obedeci, quase colidindo com a parede em uma curva traiçoeira, sabendo que em poucos segundos encontraria a saída e que Reki também conseguiria escapar.

Embora estivesse começando a ficar preocupado, já que as três mensagens que mandei nem chegaram no celular dele.

Voltei para a conversa com minha mãe:

Eu: "Sim. Vou fazer mais arroz."

Mãe: "Obrigada, filho."

Pus a tampa sobre o arroz extra e esfreguei o piso de linóleo até ficar com o brilho de casa recém-cuidada. Cada movimento era cuidadoso e suave, à medida que meus pensamentos caminhavam para bem longe dali.

Semanas se passaram desde que tínhamos tomado aquele sorvete, e pensar sobre isso me fazia sentir um alívio enorme, uma sensação que senti poucas vezes na vida, ao fato de como as coisas mudaram desde que ingressei em Okinawa, e, principalmente, quando um garoto agitado com cara de triste me chamou para sair. Foi numa segunda de fevereiro, mais precisamente. Eu me lembrava porque aquela era uma data especial.

Agora eu tinha um emprego de meio período num restaurante, e cheguei a conclusão de que nunca entenderia como o consegui, dado meu currículo faltando habilidades e sobrando espaços. Era um salário mínimo, mas ajudava a segurar as pontas em casa. Além disso, Joe era muito paciente e estava disposto a me ajudar com tudo o que eu precisasse, inclusive a como gastar meu salário.

Joe tinha boas intenções, assim como a maioria das pessoas que desempenham o papel de tutor, repetindo os mesmos conselhos inconvenientes, achando que sabem tudo sobre a sua vida. De fato, Joe sabia quase tudo sobre a minha vida, mas porque não havia acontecido nada de muito extraordinário nela.

Eu não ficava irritado e nem rolava os olhos para cima como via pessoas da minha idade fazer em situações parecidas. Mesmo que fossem desagradáveis, era legal saber que Joe se importava comigo e queria saber sobre meu futuro. Era o que meu pai fazia.

Mas melhor ainda, não conseguia acreditar que me tornara tão próximo de alguém em tão pouco tempo. Reki era agitado, mas também preguiçoso – mistura essa que nem eu compreendia – sua despreocupação era compensada pela enorme criatividade.

𝐒𝐊8 𝐓𝐇𝐄 𝐂𝐇𝐎𝐈𝐂𝐄𝐒 | 𝙇𝙖𝙣𝙜𝙖 × 𝙍𝙚𝙠𝙞 Onde histórias criam vida. Descubra agora