Parte VII

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Oi, gente!

Finalmente terminei o capítulo. Levou mais tempo do que pensei porque tratei de um assunto delicado, e que pode ser gatilho pra algumas pessoas. Se quiserem ver o gatilho, está no primeiro comentário do ponto seguinte:

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Espero que gostem! <3

×××

Langa

Ainda hoje, quando o porta-retrato na mesinha da sala me mostrou nossa foto de família, consegui me lembrar do instante em que minha vida se transformou em pedaços flutuantes de preto e branco. Vou esclarecer:

Meu pai não acreditava em Deus. Eu acreditava, mas só de uma maneira abstrata, como também acreditava - embora não soubesse dos detalhes - num mundo onde bilhões de bactérias sustentam silenciosamente e invisivelmente a economia do micromundo.

– A reação química que nosso cérebro produz ao acreditar em algo inexistente prejudica nossa percepção de realidade – dizia meu pai enquanto fazia o café, aproximando-se do fogão e destapando a chaleira, espiando a água fervente.

– Acreditar em Deus não tem a ver com a fé sobrenatural – rebatia minha mãe – ela oferece consolo e reconforto. Ela estimula a união entre pessoas que procuram entender a explicação do porquê existimos.

À primeira vista, podia-se presumir que eram um casal que discutia muito suas crenças ou descrenças, mas seus debates explicavam, para mim, a preocupação pouco saudável entre duas pessoas com a necessidade de sempre terem razão.

Eu sou o primeiro de três filhos, mas o único que sobreviveu ao parto. Meu pai sempre quis uma garota, porque dizia que garotas sabiam sorrir.

– Nós vamos ter uma bela menina – dizia ele, segurando a barriga de minha mãe como se tivesse o mundo em suas mãos.

Naquela época, o corpo dela ainda não tinha mudado, mas eles pareciam ansiosos para me verem abrindo espaço dentro e esticando sua barriga.

– Pela manhã, eu vou ser o primeiro a acordar, vou fazer café pra você e passar até último segundo observando nossa pequena garotinha – meu pai tocava a barriga dela, esperando que eu me mexesse.

Hoje eu sei que alguns pais conversam com a barriga da esposa, como se o bebê pudesse ouvir, mas meu pai ficava quieto, somente observando a pele inchada, o subir e o descer da respiração, os pulmões dela me soprando vida, incapaz de acreditar que um homem – como ele – pudesse criar um filho.

Quando eu nasci, as luzes eram fortes e eu chorei. O médico me segurou, sujo de sangue, diante de minha mãe, que tentou sorrir apesar da minha choradeira e das dores que ainda sentia. Mas meu pai se decepcionou ao ver que era um menino.

Meses antes de eu nascer, ele estudava em silêncio meu crescimento transformando a barriga de sua esposa. Em algum momento, meu pai pediu à ela que não o contasse qual meu sexo, embora não soubesse responder o porque daquilo.

Ele se preocupava à ponto de ir em todas as consultas com ela e segurava sua mão, olhando em seus olhos e a incentivando.

Quando o médico me colocou sobre o peito de minha mãe, ela sorriu e eu fui parando de chorar aos poucos, nossos olhares se encontraram e eu senti que nossos corações deram as mãos, separados, em indivíduos diferentes, mas unidos por algo maior.

Eu aprendi a engatinhar, depois a andar e a correr pelo campo. Cerca de três anos antes do meu nascimento, meu pai resolveu comprar uma casa com trinta acres de terra no oeste dos Estados Unidos. Teve o trabalho de averiguar os arredores e garantir que não houvesse igrejas por perto. Para que minha mãe chegasse até a mais próxima, teria que dirigir por quilômetros de vegetação desolada, até onde uma igreja de paredes brancas e uma torre alta se erguia sobre o pico de uma montanha.

𝐒𝐊8 𝐓𝐇𝐄 𝐂𝐇𝐎𝐈𝐂𝐄𝐒 | 𝙇𝙖𝙣𝙜𝙖 × 𝙍𝙚𝙠𝙞 Onde histórias criam vida. Descubra agora