Parte XI

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Oi, pessoal. Tudo bem por aí?
Comecei a escrever uma nova fic de Renga, na qual eles estão casados. O primeiro capítulo já está postado. Procurem por "Leave a light on" no meu perfil. Vou tentar alternar a postagem de capítulos entre essa e a outra fic.

Obrigado pelos comentários e favoritos. Me dediquei bastante nesse capítulo, espero que gostem!

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Reki

Pisquei e fechei os olhos rapidamente para abri-los de novo – para me fazer entender que aquilo que estava diante de mim era real, que as duas figuras encostadas no balcão da cozinha eram meus pais. A claridade indecisa dos relâmpagos caía enquanto a chuva descia veloz na horizontal, batendo em cheio na fachada da casa e nas janelas, devolvendo aos seus corpos um pouco mais de clareza aos olhos.

Imagens confusas me invadiram, umas sem ligações com as outras, visões antigas desfilavam mais e mais rápido, ligando lembranças e arrependimento em uma dança mal coreografada do irreal com o realidade.

O homem que um dia chamei de pai estava magro, passava a impressão de estar mais baixo e que encolheria a tal ponto que voltaria a ter o tamanho de uma criança. Uma atadura branca envolvia-lhe a cabeça e seus braços pálidos estavam salpicados de marcas – do que pareciam ser – injeções e picadas de agulhas de soro.

Em seus olhos era possível ver que aquele homem lutou para não morrer. Quase não era possível distinguir algum sinal de vida em seu corpo. Só restavam nele ruínas frágeis e minúsculas de existência. Seu corpo parecia uma velha casa que, removidos todos os móveis, seria demolida e seus pedaços de concreto desfeitos. Despontavam de seu rosto cansado fios brancos de barba, espalhados de forma desorganizada.

Segurei a respiração. Nem sentia mais minha própria língua e precisei morder o lábio para não chorar. Eu queria voltar a ter cinco anos e fazer como as crianças, tapar as orelhas, gritar, me jogar no chão, tudo, contanto que aquele dia desaparecesse.

Levei algum tempo até confiar na voz o bastante para conseguir dizer uma palavra, mas, quando abri a boca, dela nada saiu.

Recordações que eu guardava no canto mais escuro de minhas memórias atropelaram-se em meu cérebro, como um bando de animais selvagens que corriam em manadas, explodindo em fios de baba, ganindo – criaturas das quais eu não sabia nomear e que tinham as presas afiadas, orelhas em pé, pelos arrepiados, olhar feroz, cada músculo pronto para saltar, para me dilacerar vivo – e não havia nada que eu pudesse fazer, mesmo que tentasse, para detê-los.

De minha infância mantive poucas lembranças felizes. Desde o nascimento de minhas irmãs gêmeas mais novas, meu pai, Nomura Kyan, não esteve fixo em um trabalho por mais de três meses. Nos mudávamos a cada quatro meses, mais ou menos, por todo o leste do Japão, e a cada mudança, ele nos prometia que aquele seria o nosso lar, para sempre. Lembro nitidamente de uma vez – embora não soubesse o porque me lembrava - que numa dessas viagens, enquanto andávamos de bonde por Shikoku, vi por entre as frestas da janela, homens cuspindo na rua, despreocupados.

A última casa que moramos antes de conseguir comprar um lugar em Okinawa ficava localizada em bairro que era uma espécie de vilarejo moderno – tão caótico quanto –, composto de casas pobres e desiguais, que pareciam ter sido construídas pelos próprios moradores, usando materiais baratos ou descartáveis.

Quando fomos conhecer a casa, as gêmeas eram bebês e estavam com as cabecinhas sonolentas apoiadas no peito de minha mãe, que mantinha um balanço constante. O fedor forte que vinha das valas próximas me fez tossir e tapar o nariz e a boca, tentando não vomitar. Meu pai abriu a porta lateral que dava para a cozinha minúscula e disse:

𝐒𝐊8 𝐓𝐇𝐄 𝐂𝐇𝐎𝐈𝐂𝐄𝐒 | 𝙇𝙖𝙣𝙜𝙖 × 𝙍𝙚𝙠𝙞 Onde histórias criam vida. Descubra agora