Carta Aberta Parte III - Final

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Gatinha Selvagem (não minha, de outro),
Estou lhe vendo agora aqui mesmo,  no Central Park, passeando com seu marido (vi uma aliança brilhando em seu dedo) e sua filha.  Ah, ela é muito linda,  por sinal.  Dei de cara com vocês enquanto buscava um pouco de concentração para o processo de amanhã,   e pelo visto eu deveria ter ficado no hotel,  desse jeito meu cliente vai passar o resto da vida na cadeia. Culpa sua, marrenta.
Não esperava te encontrar por aqui, no meio de milhões de pessoas, e adivinha? Quase caí duro na calçada ao ver sua nova família.  Uma garotinha,  quem diria?
Vou sair daqui direto para um site de fofocas,  pelo visto há muito sobre você que já não sei mais. Há vinte anos eu lhe conhecia tanto quanto a mim mesmo, e hoje, facilmente passaria despercebido aos seus olhos.  Um desconhecido.
Aquela carta que você escreveu dez anos antes me fez escrever esta aqui, visto que se eu mandasse mensagens você sequer as leria, e se tentasse alguma aproximação física... pelo menos dessa forma você terá algo meu, assim como tenho algo seu. Palavras podem ser lidas e relidas quantas vezes quiser, pode são uma demonstração inabalável de afeto.  Poderíamos ter muitas cartas mais entre nós.
O motivo principal de tudo isso? Te pedir perdão.  Na minha cabeça imatura você seria para sempre minha Gabs, que me amaria e ficaria sofrendo por mim até o fim de seus dias, mas hoje.... agora eu sinto.  Você já não me ama mais, não sente mais nada por mim além de uma nostalgia... talvez algum carinho.  O nosso amor poderia ter sido eterno se eu fosse uma pessoa boa. Seu marido deve ser um homem incrível por conquistar seu coração,  e o mais feliz do mundo por ter formado uma família com você, acordar todo dia ao seu lado.
Me perdoe por não respeitar você,  seus sonhos e desejos. Me perdoe por não dar o melhor de mim por ti,  não me doar se corpo e alma ao nosso amor. Eu deveria ter apoiado seu sonho de jogar por aqui ainda na adolescência, feito de tudo para a distância não afetar nosso relacionamento,  e caso não fosse o suficiente... me mudado junto,  feito nossa vida aqui. Dez anos atrás deveria perguntar como se sentia,  sua vida, sonhos e relacionamentos... se me queria de fato naquela noite.  Você estava comigo,  mas já não conseguia sentir minha alma.
Quando te encontrei chorando encolhida no chão do banheiro, naquela mesma madrugada,  me senti a pior pessoa do mundo.  Eram por mim, eu sei.  Não sabia como te consolar, muito menos consertar seu coração, porque eu estava tão quebrado quanto você.  Não mais, não menos, na igual medida, porque apesar de te amar com todo o meu coração,  esse amor não podia te fazer sofrer.  Foi esse motivo que me fez sair de fininho antes do amanhecer, sem despedidas: eu vi que se continuasse aquilo, eu acabaria com toda a sua alma, a despedaçaria aos poucos, como sempre fiz com as pessoas.  Por isso até hoje estou só.
Nunca mais a procurei,   embora cada mínima célula de meu corpo implorasse para estar ao seu lado outra vez. Não a procurei quando perdi minha avó,  não a procurei quando percebi que minha carreira no basquete havia acabado.... Não a procurei em nenuma conquista,  embora eu te amasse e quisesse dividir tudo aquilo com você.  Não encontrei nenhuma outra mulher que suportasse minhas crises de saudade, e lido sozinho com elas até hoje  quando acordo no meio da noite e não lhe vejo ao meu lado na cama, como deveria ser.
Tantas saudades e tanto amor sufocados com o passar dos anos... mas você está feliz,  e talvez isso me console um pouco daqui para frente,  agora que perdi meu chão.
Desejo absolutamente tudo de melhor pra você,  marrenta, o que de melhor pode existir,  porque é o que você merece.

Com muito amor no coração,

         Seu Playboy.

Improvisei um  envelope, e como obra do destino,  minutos depois, a garotinha de cabelos cacheados se aproximou de mim,  com uma pose tímida.
Oh céus,  e olhos verdes cintilantes.
- Licença, minha bola de basquete parou ali nos seus pés, teria como o Sr. me devolver?
Uma postura tão meiga, tímida... Nada parecida do que eu esperava de uma filha de Gabriela.  Me hipnotizei com aquela garotinha, tão parecida com a mãe,  mas ao mesmo tempo tão diferente. Talvez a personalidade fosse do pai.
Com um sorriso sincero nos lábios,  lhe estendi a bola de basquete e a carta também.
- Por favor,  pequena, entregue esse papel para a sua mãe,  diga à ela que eu ainda a amo - quase não contive as lágrimas,  mais uma vez me sentindo despedaçado.
Ela se aproximou um passo, tocando meu rosto com a mãozinha livre. Uma corrente de carinho percorreu meu corpo.
- Minha mãe ainda sente muito carinho pelo senhor,  ela ainda sente a falta do seu amor,  e eu também.
E ela se foi em segut, saltitante, me deixando totalmente perdido para trás.

   ● ● ●

  GABRIELA

Manu voltou com um sorriso nos lábios e, além da bola de basquete,  um papel em mãos.
- De onde você tirou isso, Manuela?
Ela me entregou ele segundos depois. Comienuei sem entender.
- O Vicente me pediu para entregar, ele tava naquela mesa lá -apontou para a direção onde se encontravam algumas mesas vazias. Meu coração deu um pulo de pânico.
- Minha filha... - busquei ar.
- Ele disse que te ama, mamãe. Ele falou a verdade,  eu vi nos olhos dele.
De repente tudo pareceu ficar mais lento,  e meus olhos não o encontravam.
- Manu, tem certeza?
- Tenho, mamãe. Era ele, das fotos, e eu senti também.
Respirei fundo.
- Sentiu o que?
- Que ele é meu papai.

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