7-JESPER

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  Uma vez fora do escritório, a cidade invadiu os sentidos de Jesper. O cheiro da fumaça cinzenta que os navios ao longe exalavam. A brisa fresca da madrugada que envolvia seu rosto. Os cabos rebuscados das suas pistolas contra seus dedos. Os sons de garrafas sendo jogadas por bêbados pelas ruas desertas.

Tudo isso era familiar para ele. Mas nada disso tirava o aperto no peito que sentia, o aperto que não o deixava esquecer que aquela situação toda estava errada. Ele não deveria estar ali. Nesse tempo em que se encontrava, Jesper ainda tinha sua mãe, ainda tinha uma vida normal. Tudo isso soava irreal. Seus dedos envolveram os cabos das pistolas mais forte.

Jesper olhou para seu lado e viu Wylan, olhando ao redor como se não reconhecesse nada daquilo. Provavelmente não, já que cresceu em um mundo completamente diferente. Esse mundo poderia não ter as ruelas esburacadas e sujas ou marginais esperando o momento certo para roubar tudo o que você tem, mas era, no entanto, tão ruim quanto.

O mundo que Wylan conhecia era perfeito por fora, exuberante com suas riquezas e posses e boas maneiras, mas por dentro era podre e decadente. Jesper não sabia qual situação era pior. Wylan encontrou seu olhar, como se estivesse ouvindo seus pensamentos, e abriu um sorriso cuidadoso. Ele pegou a mão do atirador e apertou brevemente, soltando logo em seguida.

Eles andaram por mais alguns minutos que pareciam horas. Ninguém falava uma única palavra, mas Jesper ouvia suas respirações tremulantes. Inej estava olhando intensamente para um mapa com olhos sombrios. Jesper não conseguia definir o que causou a súbita mudança em seu temperamento. Inej havia algo contra Pekka Rollins?

"Não sei vocês, mas acho que se elaborássemos mais um plano eu me sentiria mais... segura", Nina sussurrou, enrolando uma mecha de cabelo castanho claro.

Wylan acenou afirmativamente com a cabeça, olhando para o atirador em expectativa. Antes de Jesper responder, Inej se manifestou:

"Eu tenho um plano", ela afirmou, sem olhar para eles. "Mas não posso dar muitos detalhes".

"Certo. Isso me faz sentir mais calmo.", Jesper ironizou.

Inej não se deu ao trabalho de responder e continuou andando com a expressão absorta. Os três se entreolharam e decidiram silenciosamente segui-la. Aquela era uma situação atípica: Inej nunca era evasiva com nenhum deles. Normalmente, ela explicaria o plano e o discutiria com eles, muitas vezes soltando palavras de conforto.

"Então, o que vocês estavam fazendo no período em que estamos?", Jesper perguntou, tentando quebrar o gelo.

O rosto de Wylan ficou soturno. O garoto passou a mão no cabelo avermelhado.

"Provavelmente descobrindo que eu era um desperdício de tempo e espaço para minha família."

Jesper estava prestes a contra-argumentar quando Wylan exibiu um sorriso brincalhão e deu um peteleco no braço do namorado.

"Eu sei. Eu não sou um desperdício de espaço para você, nem para a Nina, nem para a Inej", ele acrescentou, olhando para cada um. "Eu não vou me prender à pessoas mesquinhas do meu passado, que tentavam me rotular pelo o que eu sei ou não fazer".

"'Mesquinhas'... que vocabulário refinado, mercantezinho", Jesper brincou, o que fez Wylan dar uma cotovelada de leve em suas costelas.

"Vocês são adoráveis", Nina disse com um sorriso se espalhando pelo rosto.

"Pode ir parand..." Jesper começou, sendo interrompido por um olhar fuzilante de Inej.

"Silêncio", ela sussurrou furiosamente. "Estamos quase lá."

Wylan, que estava com o braço em volta do tronco de Jesper, desvencilhou-se, assumindo uma posição cautelosa. O coração de Jesper murchou com decepção.

Jesper de certa forma entendia o desejo de Inej pelo silêncio. Nas ruas de Ketterdam em plena madrugada qualquer sussurro era ouvido a quilômetros de distância. Eles não poderiam chamar atenção.

Os passos rápidos e silenciosos da Espectro os conduziam para uma região consideravelmente longe do Barril, onde Jesper estava acostumado a viver entre os Dregs. Eles estavam chegando no porto 13, de onde barcos vindos de ilhas ao redor de Kerch chegavam, trazendo centenas de pessoas a bordo. Jesper não podia imaginar o que Inej estava planejando. Talvez ela fosse sequestrar alguém.

Eles se esgueiraram em meio a barris e caixas de madeira, lotados de inúmeras mercadorias que seriam comercializadas pela manhã nas feiras que lotavam as ruas da cidade. Os quatro se esconderam atrás de um barril relativamente grande, onde ficavam totalmente escondidos e tinham uma vista clara dos barcos que aportavam e despachavam pessoas de todos os tipos.

"Inej, o que vamos fazer?", Nina perguntou baixinho. Suas mãos estavam posicionadas prontas para invocar seus poderes grisha. Ela estava pronta para atacar.

"Shhhhhh", Inej sibilou, os olhos focados profundamente na saída de um dos navios. Jesper, Wylan e Nina observavam aturdidos a Espectro, que estava incomumente atenta.

Jesper estava posicionando suas armas para atacar qualquer ameaça que surgisse quando Inej levantou as mãos em um gesto para acalmá-los. Nina abaixou as mãos e Jesper guardou suas pistolas no coldre lentamente. Wylan largou cuidadosamente a bolsa, de onde provavelmente tiraria uma substância altamente explosiva.

A expressão de Inej de repente se clareou de uma maneira extraordinária. Ela observava algo com uma mistura de deleite e tristeza, o que fez com que os outros olhassem naquela direção.

Jesper apenas via um turbilhão de pessoas exauridas da viagem pelo mar que falavam muito alto. Mulheres segurando bebês no colo, homens carregando malas esfarrapadas, casais abatidos e angustiados que olhavam Ketterdam como sua nova pátria.

Entre todas essas pessoas, Jesper encontrou dois meninos pequenos e magros com cabelos escuros. O mais velho usava um chapéu de lã verde muito grande para sua cabeça, sendo provavelmente do pai. Ele passava um braço protetor em volta dos ombros do mais novo, que exibia um rosto cansado e abatido. O peito de Jesper se contraiu. Ao seu lado, ouviu Nina prender a respiração e sentiu Wylan aproximar-se para ver melhor.

O menino mais novo era estranhamente familiar. Não pode ser, ele pensou descrente. Foi só quando Inej murmurou o nome que Jesper assimilou os fatos.

Kaz.




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Genteee,

Mil desculpas pela demora em postar, não me matem. Estou passando por alguns problemas e por isso não estou podendo escrever com tanta frequência. Só queria dizer que logo continuarei, então não se preocupem!

Se tiverem algumas ideias para a história, estou aberta a sugestões! 

Até o próximo capítulo ;)

A Sombra do Passado - Uma história de Six of CrowsOnde histórias criam vida. Descubra agora