9- KAZ

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Um barulho ensurdecedor irrompeu de dentro da máquina, fazendo todos pararem o que estavam fazendo. Ele largou o monitor imediatamente. Inej disparou sem hesitação para tirar os amigos de dentro. A máquina começou a chacoalhar. Tudo estava em câmera lenta. Ela entrou, agarrando o braço de Wylan, que estava mais perto. Inej virou-se para a portinhola. Seus dedos apressados tentaram abri-la, sem êxito. Suas sobrancelhas se elevaram e ele viu rugas de medo surgirem. Ela tentou mais vezes em movimentos impacientes.

Kaz saiu de um estado de torpor em um salto e, mancando, apressou-se para puxar a portinhola. Ele puxou e puxou, mas ela não se moveu um centímetro sequer. Com uma agonia crescente, elevou sua bengala e bateu o mais forte que pôde. Nada. Bateu de novo. De novo. De novo.

A máquina apenas balançava cada vez mais, fazendo o prédio inteiro tremer. Ele viu as paredes de cimento rachando perigosamente. Uma luz fraca e tremulante acendia de dentro do vidro. Ele continuou batendo. A luz ficava cada vez mais forte. Não vou conseguir, ele pensou amargamente.

Seu olhar encontrou o de Inej. Ele viu o puro pavor em seus olhos. Ela tentou gritar alguma coisa.

Foi quando tudo ficou claro.

Ele sentiu a onda de calor antes mesmo de tudo explodir.

Queimando, queimando.

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Kaz abriu os olhos pesados, que oscilaram com a luz. Tentou erguer a mão para cobri-los e percebeu que não conseguia. O que... Tentou se levantar, mas estava completamente exausto. Aos poucos, conseguiu sentir seus braços, em seguida suas pernas. Tudo doía.

Ele forçou-se a levantar desta vez, apoiando os braços do chão arenoso. Areia? Ele tombou para o lado, a cabeça girando. Fechou os olhos e respirou fundo por alguns instantes, tentando evitar a tontura. Onde estou?, ele se perguntou mentalmente.

Os eventos decorridos vieram com tudo em sua mente: Van Eck. O galpão. Uma... máquina. Inej, Nina, Jesper e Wylan. Seu coração parou com o susto. Preciso encontrá-los. Kaz empurrou-se do chão, erguendo-se de uma vez, o que apenas o deixou tonto. Uma agulhada em sua perna ruim fez ele, com um estampido, cair mais uma vez.

Ele se sentou com um suspiro impaciente, esperando a tontura passar. Depois de breves minutos, pôs-se a analisar o ambiente em que se encontrava. Areia branca e terra o cercavam, como paredes. Ao erguer o olhar, deparou-se com nuvens rosa-alaranjadas pelo nascer do sol. Os raios de luz deixaram seus olhos semicerrados. O dia estava apenas começando.

Kaz levantou-se novamente com ajuda de suas mãos enluvadas, que agora estavam rasgadas. Escalou as paredes de areia e se deparou com os destroços do prédio que haviam invadido. Blocos de cimento, móveis quebrados, poeira espessa flutuando pelo ar. Kaz tossiu, cobrindo a boca com a mão.

Ele se aproximou dificilmente pela ruína, uma dor aguda percorrendo sua perna pelo esforço. Ele a ignorou. Segurou um fragmento de concreto cinzento e arremessou para longe, sem olhar para onde desabou. Arremessou outro. Onde está?, perguntou-se ferozmente. Acabara de se livrar de uma cadeira de madeira sem pernas quando teve um vislumbre da cabeça de corvo que compunha sua bengala. Ele a pegou, puxando-a rispidamente dos escombros. Não. A bengala estava quebrada no meio. Mãos Sujas apenas a encarou, os lábios ligeiramente entreabertos. Ele passou levemente as mãos pelo adorno de corvo que o acompanhou em tantas enrascadas e seu coração tropeçou. Agora não é hora de ficar sentimental, ele repreendeu a si mesmo.

Ele jogou no chão o fragmento que um dia fora sua bengala e continuou procurando. Por baixo dos enormes destroços não havia nada senão mais poeira e mais ruínas. Os outros não estavam em lugar algum. Kaz se atentava para discernir se alguém gritava por ajuda, mas o silêncio era total, sendo lentamente substituído por uma Ketterdam acordando. Logo a stadwatch chegaria para analisar o desmoronamento. Seja lá quando isso fosse acontecer, Kaz não gostaria de estar por perto.

Você não conseguiu salvá-los, assim como não salvou Jordie.

Ele passou as mãos pelos cabelos olhando ao redor desesperadamente.

Inej não teve a chance de sequer gritar.

Seu coração batia descontroladamente como o rufar de um tambor.

Você é o culpado.

Kaz resmungou, tentando se livrar dos pensamentos.

Você deveria ter morrido, não eles.

Atirou um tijolo, observou ele desmanchar.

É isso que você faz com as pessoas.

Ele tremia, respirando com dificuldade.

Você as observa sucumbir, sem fazer nada.

Kaz caiu de joelhos, o ar quase não chegava aos pulmões.

Você é um monstro.

Ele se lembrou dos amigos. Jesper e Wylan o haviam tantas vezes convidado para almoçar na casa deles. Inej e ele estavam tentando. Ele deveria ter pago waffles para Nina. Até Matthias, pelo qual ele nunca se deixou entrar em luto. Tudo o atingia agora, como adagas perfurando seu peito.

Ele se lembrou da risada de todos eles com suas piadas internas e como ele se segurava para não participar. Muitas vezes ele se isolou dos demais para manter aquela armadura intacta. Eles já não haviam provado de confiança?

Mais uma vez, você conseguiu perder as únicas pessoas que amava.

Pessoas que te amavam.

Kaz se encontrava deitado de lado, os braços trêmulos envolvendo as pernas enquanto suava descontroladamente. Deixou sua cabeça encostar no chão, fechando os olhos. Ele sentia seu peito como um punho cerrado. O chão áspero e frio se encontrava com sua pele pálida. Era frio como as águas do porto de Ketterdam. Ele se afogava mais uma vez. Cadáveres o envolviam, a pele de seus ossos se soltando com o sal da água. As mãos pútridas o puxavam mais fundo, mais fundo. 

Ele estava nas profundezas, apodrecendo junto a Jordie.

A Sombra do Passado - Uma história de Six of CrowsOnde histórias criam vida. Descubra agora