15-INEJ

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O coração de Inej rugia em seu peito e não era apenas pela corrida frenética em direção à máquina. Ela esperava que o que tinha acontecido com o Kaz fosse ruim, mas não tanto. Ele era só uma criança. Uma criança. Assim como ela era quando a capturaram e a venderam. Essas experiências cruéis que tiveram em tão pouca idade trouxeram sequelas extremamente difíceis de serem curadas para ambos os lados.

Os pensamentos da garota se voltaram para o momento em que Kaz tirara as luvas quando ela chegou. O quanto isso deve ter tomado dele? Ela naquele instante não havia dado a devida importância para o gesto. É óbvio que ficara surpresa, mas no fundo, em algum lugar escuro e egoísta dentro de si, achava que era mais do que sua obrigação. Como se ela tivesse esquecido que não é tão simples assim. Como se ela não tivesse passado por uma situação parecida. Como se aqueles meses em alto mar tivessem apagado tudo pelo que passou. Ela tinha vontade de atirar algum objeto no chão e vê-lo se partindo em milhares de pedacinhos, assim como ela estava se sentindo.

Ao seu redor, Wylan, Jesper e Nina pareciam perdidos em pensamentos, em um silêncio fora do normal, não precisando dizer nada, já que Inej sabia que seus pensamentos seguiam na mesma linha lúgubre e tortuosa. Pneus carecas estrondeavam através das construções como uma floresta de pedras e concreto, por uma rua adjacente à qual o grupo se deslocava, sufocando seus passos apressados, o único som até então.

"Rápido!", Wylan avisou, a voz suave se elevando em um tom alerta. Inej sabia o que o som significava: o tempo estava acabando. O longínquo som de cascos de cavalos nobres puxando fervorosamente carruagens luxuosas significava que alguém poderoso estava chegando. Esse alguém ou era Pekka Rollins ou era Van Eck. De qualquer maneira, isso era um mau sinal. Quanto tempo levaria até que levassem a máquina para longe? A Espectro não deixava de imaginar o trabalho que os demandaria se perdessem-na novamente...

Jesper alcançou as duas armas do coldre, girando-as alternadamente em movimentos habilidosos, o que normalmente sugeria que ele estava em um clima brincalhão, mas ao observá-lo, Inej percebeu que sua expressão era séria e controlada. Até então, os revólveres haviam tido pouca serventia, o que devia aumentar consideravelmente sua ansiedade. Inej sabia como era a necessidade de fazer algo. Não podiam ficar parados vendo seus destinos se desenrolarem diante de si mesmos sem poder agir.

Eles se esgueiraram um por um pela cerca de arame farpado que havia um buraco suficiente para quatro adolescentes desesperados passarem rapidamente. Inej foi a primeira, mais por ter uma certa prática com esse tipo de situação. Jesper prendeu a barra da calça no arame, murmurando palavrões para si mesmo, rasgando o pedaço do pano xadrez que compunha antes sua calça. Wylan, com ajuda de suas ferramentas, havia feito algum tempo antes essa passagem estratégica para que pudessem entrar discretamente pelos fundos, onde despistariam quaisquer pessoas presentes, voltando para suas casas, enfim. Inej tinha certeza que Jesper pediria uma nova calça xadrez ao outro quando chegassem em casa.

Ao passar encolhida pelos arames, Inej se deparou com as altas paredes acinzentadas que pareciam uma extensão do céu de mesma cor. Elas eram corroídas pela umidade, a tinta descascando ao encontrar rachaduras cheias de musgo de um verde tão escuro quanto o retrato da ambição nos contos Suli que Inej ouvia quando criança. Nas histórias, um vilão usava sempre um manto verde escuro para demonstrar o que acontece quando se é cegado pela ambição e a ganância. A memória trouxe uma ponta de saudade que a fez apenas pensar em casa. Vamos voltar. Em meio à uma fileira de trepadeiras, uma porta metálica se escondia, o cadeado previamente quebrado por eles. Nina girou a maçaneta, chamando-os com gestos apressados.

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Ali estava ela. Diante deles. A maldita máquina que os trouxe ao passado. Ela era dourada e brilhante, diferente daquela a qual tinha sido emboscada e levada, com marcas de ferrugem espalhando-se por ela, o cheiro metálico que descia por seus pulmões como um manto pesado.

A Sombra do Passado - Uma história de Six of CrowsOnde histórias criam vida. Descubra agora