2. Marco

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Me sentei na minha cadeira e chequei o relógio. Ainda faltava meia hora para a próxima aula. Olhei para o final da sala e vi a poça de água que Amanda tinha deixado logo atrás da carteira. Será que ela fazia a menor ideia do que essas duas últimas horas foram pra mim? Uma tortura! Se eu fosse ser justo comigo mesmo, não foram duas horas. Foram quatro anos. Quatro anos de muito autocontrole.

É claro que eu não ia me envolver com uma aluna. Eu jamais faria isso. Nem pensar. Eu precisava desse emprego. A maioria das pessoas não entenderia, não era pelo dinheiro, mas pela rotina. A rotina da faculdade é o que mantém a minha sanidade. Ter um lugar para ir, em uma hora certa, compromissos para atender, pessoas que me conhecem e topam tomar um café comigo na cafeteria. Eu preciso disso. A faculdade era o meu refúgio, meu porto-seguro.

Mas desde que essa garota entrou na minha sala, há quatro anos, tudo mudou. Ela entrou de um jeito bem despreocupado, usando um vestido florido que eu nunca me esqueço: azul acinzentado com minúsculas flores brancas... O cabelo loiro caindo em ondas até a cintura, a bolsa de couro pendurada no ombro... Falava alegremente sem parar, mas eu logo dei uma cortada nela. Afinal, na primeira aula a gente precisa se impor. Ela se virou, pedindo desculpa, professor, e meu coração parou quando eu a vi de frente, aqueles enormes olhos castanhos, a boca rosada, o decote do vestido... Senti uma fisgada tão forte no meu ventre que fui até um pouco rude. "Sente-se, a aula já começou", falei.

Nos próximos seis meses, eu ficava me controlando para não encarar Amanda durante a aula, não perder o fio da meada, mas era inútil. Ela tinha mania de enrolar as pontas do cabelo com os dedos. Ela balançava o pé ansiosamente quando não entendia o assunto. Ela ficava nervosa quando eu falava com ela. Ela gaguejava e mordia o lábio inferior. Nessas horas, eu pensava que ia perder a cabeça.

Ontem à noite, eu fui dormir satisfeito. Hoje seria o último dia que Amanda seria minha aluna. Eu estava ansioso por esse dia há meses. Pela última vez, nós estaríamos numa sala de aula juntos. Ela não me torturaria mais. Pelo menos não aqui, porque eu não estou nem um pouco disposto a deixar ela ir embora assim, sem tentar nada. Mas, pelo jeito, esse dia tão esperado para mim não significava nada para ela. Ela se esqueceu completamente. Chegou em cima da hora, vestida de qualquer jeito – é claro que eu reparei que ela estava sem uma meia! Me senti um pouco ridículo lembrando que eu tinha escolhido uma camisa maneira para estar apresentável hoje.

Enquanto isso, Amanda apareceu com aquela camiseta, calça jeans, sem meia, descabelada, e mesmo sem nenhum esforço, conseguiu me deixar ainda mais fora do eixo. Aquele cabelo pingando na camisa, o frio evidente que ela estava passando, a blusa ficando transparente... Eu não conseguia parar de olhar para ela. Não foi à toa que eu reparei na meia.

Quando ela entrou e esbarrou em mim, eu poderia ter me afastado, mas eu estava ocupado pensando que essa era a altura que ela ficaria de mim e que eu precisaria me abaixar se eu quisesse...

Ouvi uma batida à porta e vi Lucila entrando, me tirando desse devaneio. Pareço um garoto na puberdade! Acorda, Marco!

- Bom dia, Marco! – disse Lucila, me entregando uma xícara de café. Eu suspirei. Sabia bem o que Lucila estava fazendo ali. Ela era a reitora da faculdade e, graças a Deus, minha melhor amiga. Durante o período letivo, Lucila não se preocupava comigo, mas quando chegavam as férias, ela ficava nervosa, feito uma mãe que vai se afastar do filho. Era chato sentir o quanto eu a deixava nervosa, mas precisava admitir que dei motivo para isso.

- Bom dia, Lu – respondi. – Posso contar com você e Antonio na quinta-feira?

- Ora, Marco, não seja ridículo! Você fala como se não fosse ter um restaurante lotado de fãs! Mas, mesmo assim, é claro que pode contar comigo. Sabe como amo seus eventos. E Antonio não vai perder a chance de debater quem é o assassino do livro antes mesmo de ler uma página.

Eu ri e tomei um gole do café.

- Na verdade, eu vim fazer meu próprio convite, Marco – anunciou Lucila. – Você sabe que eu sempre vou tentar...

- Lá vem você de novo...

- É uma boa viagem, Marco. E a professora Bianca estará lá...

- Lu, eu já falei...

- Precisa de uma companhia, Marco... Nem que seja para se distrair.

- Tem certeza de que quer fazer isso com a pobre Bianca?

- Ora, Marco, você é um homem agradável... Não tente parecer o que não é.

- Não ouviu os boatos, Lucila? Cuidado comigo...

- Nem brinque com isso, Marco! Que besteira!

Eu ri, passando a mão pelos meus cabelos. Todos os anos, após a formatura, Lucila e Antonio davam uma grande festa na fazenda da família de Antonio. Era uma fazenda imensa, que eu já tinha visitado muitas vezes, mas nunca naquela ocasião. No final do período, Lucila e Antonio convidavam os professores e os alunos formandos para um fim de semana na fazenda. Para o Antonio, era uma boa oportunidade, já que a fazenda era, na verdade, um hotel. Assim, ele garantia muita propaganda dos jovens nas redes sociais bem no início do período de férias.

- Vamos, vamos... Faça o convite.

- Venha na viagem dos formandos, está bem?

Eu pensei por um momento que, talvez, Amanda estivesse lá... Mas então, me lembrei que era impossível. Eu sabia que Amanda tinha um namorado. Ela não iria sem o namorado e a viagem não estava aberta a acompanhantes. Eu precisaria, primeiro, que ela terminasse com esse cara para, depois, atacar... Se bem que, pensando bem, eu a veria na quinta... A viagem era na sexta. Será que eu era capaz de convencê-la em um dia? Calma, Marco, você se preparou muito para isso, não vá se precipitar...

- Olha, Lu... Está bem, eu vou pensar, mas não prometo, tudo bem?

- Ai, Marco... Está bem, mas, se você for, vou pedir para Pietra preparar sua torta favorita.

- Opa, agora tudo mudou! – eu disse, rindo, enquanto uma aluna entrava na sala. Lucila se despediu e me deixou para a última aula do período. Olhei novamente para a poça deixada por Amanda. Eu tinha uma semana ainda para a viagem. E sou melhor com as palavras do que na vida real... Olhando o meu celular, comecei a pensar qual mensagem eu enviaria mais tarde.

Amanda, doce obsessão | DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora