Trocar aquelas mensagens com a Amanda era a única coisa que estava mantendo a minha sanidade. Depois que Lucila e Antonio foram embora, eu tomei um banho frio, arrumei a casa e decidi que seria diferente dessa vez. Sim, tudo estava de volta à tona, os jornais já estavam me ligando e eu vi uma ligação perdida de Janete. Janete era a antiga cuidadora da avó de Laura. A verdade é que eu era a única família de Laura. Os seus pais haviam falecido em um acidente de carro quando ela ainda era pequena e ela fora criada pela avó. Janete era a senhora que havia permanecido ao lado da avó de Laura até ela morrer, um ano antes do desaparecimento. Hoje, Janete já tinha seus 80 anos, mas ainda lembrava de Laura com muito carinho e, apesar de todos os rumores, estava sempre preocupada comigo.
Eu liguei de volta, decidido a manter aquele compromisso comigo mesmo.
- Dona Janete, como vai a senhora?
- Meu filho! Como é bom ouvir a sua voz! Tudo bem com você?
- Sim, Dona Janete, tudo indo...
- Olha, essa velha aqui está te ligando só pra dizer que pode me ligar pra qualquer coisa, viu?
- Está bem, Dona Janete, não se preocupe.
- Claro que eu me preocupo, meu filho, mas Deus é maior e vai dar tudo certo. Estou rezando uma novena pra São Judas Tadeu, padroeiro das causas impossíveis...
- Muito obrigado, Dona Janete. Mas eu estou ligando pra dizer que a senhora não precisa se preocupar. Eu estou bem. Eu vou ficar bem dessa vez.
- Eu sei que vai, ô Marco, eu sei. São Judas Tadeu não falha, meu filho. Você é um homem bom, Marco. Viu? Não duvide dessa velha aqui, Marco. Sabe que Laura não ia gostar que você sofresse.
- Eu sei... Eu sei...
Depois de um dia tão intenso, fui dormir estranhamente satisfeito. Aquela conversa boba com a Amanda tinha me alegrado e fez com que eu me sentisse, por alguns momentos, um cara normal, que conversa com uma garota sobre uma série da Netflix. A série era boa e tinha me entretido também. E, por fim, eu recebi aquela foto da Amanda de pijama...
Claro que ela usaria um pijama como aquele e não uma camisola matadora. Ela parecia constrangida, como se eu não soubesse. O que ela não sabia é que eu a conhecia muito bem, muito mais do que ela pensava. Eu a observei por quatro anos. Eu sabia que ela gostava de coisas estampadas, pequenas flores, pequenos corações, pequenas luas, pequenas estrelas... Eu sabia que ela quase nunca cortava o cabelo e ela gostava de usar tranças bem longas e complicadas. Eu sabia que ela estava sempre de all star, pelo menos na faculdade. Isso me irritava profundamente, porque eu nunca tinha visto seus pés. Eu sabia que ela gostava de esmalte vermelho e que ela quase sempre usava uma gargantilha fininha de ouro com uma pequena lua no centro. Eu achava que aquilo combinava muito com ela, porque ela parecia estar sempre no mundo da lua.
Quando não estava com nada estampado, ela usava roupas brancas. Tinha o vestido branco com mangas compridas e laço preto no pescoço, o vestido branco com rendas no decote e uma saia rodada, o vestido branco com alcinhas vermelhas. E o pior de todos: o vestido branco de bolinhas pretas, que era perigosamente transparente.
Assim que essa obsessão com a Amanda começou, eu me pegava pensando o que eu via nela. Claro que ela era bonita, isso não era nenhuma dúvida, mas eu não entendia por que ela mexia tanto comigo. Ela não tinha nada a ver com a Laura e eu estava convencido de que ela não era meu tipo. Enquanto Laura era alta e esguia, Amanda era pequena e curvilínea. Laura tinha os cabelos bem negros e eles estavam sempre cortados na altura dos ombros, enquanto Amanda deixava os cabelos loiros e ondulados irem até a cintura. Laura era prática e decidida, sempre usando as roupas mais confortáveis que encontrava, enquanto Amanda levava aquele estilo de garota romântica, com fitas, laços e tranças. Acho que Laura nunca aprendera a fazer uma trança... E, se soubesse, não cairia bem.
Do nosso trio, Laura era a mais esperta, a mais forte, a mais determinada. Mesmo Guido sendo filho de médicos, Laura era tão inteligente que se formara na faculdade de medicina antes dele. Às vezes, Laura conseguia ser tão eficiente que me assustava. Já Amanda tinha aquele jeito sonhador e atrapalhado que me fazia rir. Ela não era eficiente, isso eu sabia, porque era confusa, não se dava bem com horários, entregava trabalhos atrasada... Mas ela tinha seu próprio jeito de ser inteligente, com seu texto casual. Desde o primeiro período da faculdade, ela me impressionara com sua escrita leve, divertida e seus diálogos surpreendentes.
Só de pensar que Amanda me enviara uma foto de uma banheira com a intenção de que eu entendesse que era um spoiler de um livro... Isso já mostrava o quanto as duas eram diferentes. Eu não tinha tomado a iniciativa com Laura. É claro que, ela sendo minha melhor amiga, e eu um adolescente de 17 anos, o dia em que ela me beijou foi o melhor dia da minha vida. Mas a Laura tinha decidido tudo. Foi ela que me buscou de bicicleta, dizendo que nós tínhamos um compromisso no lago. Eu não perguntei nada, porque confiava nela. Quando a gente chegou num lugar que ela achou apropriado, ela estendeu uma toalha de piquenique no chão e tirou umas cervejas quentes da bolsa. Eu perguntei onde estava o Guido e ela me respondeu que aquele não era um passeio para o Guido. Cinco minutos depois, ela subiu no meu colo e me deu um beijo. Eu achei que ia parar por aí, mas então ela tirou uma camisinha da mochila.
Depois disso, nós começamos a namorar. Eu amava Laura com todas as minhas forças. Ela era divertida, linda, inteligente. Eu estava feliz, meus pais estavam felizes, a avó dela estava feliz. A minha irmã Milena, que é quatro anos mais nova, idolatrava Laura. Esses anos foram os mais felizes da minha vida. A minha vida quando eu ainda tinha a minha Laura... Depois, tudo desandou.
Às vezes, me pego pensando o que Laura acharia de Amanda. Se elas se dariam bem, caso Laura ainda estivesse aqui. Eu sei que, se Laura estivesse aqui, nós não estaríamos juntos. Depois de termos passado tantos anos juntos, eu ainda a amava, muito, mas tinha consciência de que nosso amor não era mais de homem e mulher. Era uma amizade. Talvez sempre tivesse sido uma amizade...
Quanto mais eu me aproximava de Amanda, mais eu tinha certeza disso. O desejo que eu sentia por Amanda, eu jamais senti por Laura, nem quando era adolescente. Às vezes a intensidade desse desejo me deixava até apreensivo. E se, quando a hora chegasse, fosse diferente do que eu pensara?
Eu abri o whatsapp de novo, fui até as mídias da nossa conversa e passei as três fotos que eu recebera dela: as pernas com o livro, a foto de toalha, o pijama de estrelinhas. Não, pensei. Não vai ser diferente. Vou dar um jeito de ser perfeito.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Amanda, doce obsessão | Degustação
RomanceHá anos, Amanda sonha com o enigmático professor Marco, mas nem imagina que sua atração é correspondida. Prestes a se formar na faculdade, ela já sente saudade das aulas em que mal conseguia prestar atenção, mas é surpreendida quando Marco faz um co...