14. Marco

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A dor de cabeça me acordou. Abri os olhos e a claridade praticamente me cegou. Estou no meu quarto, pensei. A colcha ainda cobria a cama e eu estava por cima dela. Pelo jeito, consegui me arrastar até o quarto e isso foi o bastante. Que dia é hoje? Vi o celular jogado na cadeira de couro, onde estavam as minhas calças. Me arrastei até lá e notei que ele estava desligado. Merda.

Como se viesse de uma outra dimensão, um barulho agudo ecoou pelo quarto. Merda. Será que se eu ficar aqui parado, o barulho vai embora?, divaguei, sentando na ponta da cama.

Mas o barulho continuou, cada vez mais intenso, fazendo a minha cabeça doer ainda mais. Apertando as têmporas, me levantei, cambaleei escada abaixo e atravessei a sala. Antes de abrir a porta, ouvi os berros vindos lá de fora:

- Sei que está aí! E não vou embora! Vou ficar aqui o dia inteiro se for preciso! Não quero nem saber! Pode ir abrindo...

- Oi, Lu – eu disse, abrindo a porta pra ela entrar.

- Marco, boa tarde – ela cumprimentou, entrando na sala e largando as compras. – O que é isso? Pode ir colocando uma roupa, porque o Antonio está chegando.

Constrangido, olhei pra baixo e percebi que estava só de cueca.

- Lu, eu estava dormindo.

- Dormindo? Sei bem que tipo de sono você estava tendo. Por acaso sabe que dia é hoje? Posso ver pela sua cara amassada que você não está nada bem!

Nesse momento, Antonio entrou pela porta que estava entreaberta.

- Fala, Marco – disse ele. – Tudo em cima, camarada? – ele me olhou de cima a baixo e completou: - Bom, dá pra ver que está tudo em cima aí. Lu, vamos ter que conversar sobre você estar no mesmo ambiente que outro homem de cueca.

Apesar de estar me sentindo péssimo, eu ri.

- Por acaso, eu chamei vocês dois?

- Marco, se nós fôssemos esperar você chamar, acho que não viríamos nunca, não é mesmo? – disse Lucila, arrumando as compras na bancada.

- Vou colocar uma calça e já volto – anunciei, resignado. Eu sabia que seria impossível expulsá-los.

- E uma camisa também, por favor – pediu Antonio. – Não vou conseguir ingerir todas as calorias desse macarrão com o devido prazer se eu ficar olhando essa sua barriga.

- Antonio, temos que lavar os tomates – eu ouvi Lucila dizer, enquanto subia as escadas. – Marco, um banho vai cair bem – ela gritou.

Quando eu desci, meia hora depois, eu realmente estava me sentindo melhor. Depois do banho, tomei um analgésico para minha dor de cabeça e coloquei meu celular para carregar, na bancada da cozinha. Me sentei em um dos bancos, enquanto eu assistia Lucila e Antonio cozinhando. Era espaguete à putanesca, um clássico que eu adorava.

O cheiro inebriante do molho de tomate tomou toda a cozinha e a sala, que era aberta. Meu estômago doeu e eu percebi que não comia nada desde... Eu não sabia desde quando.

- Ahn... Que dia é hoje, afinal?

- Hoje é terça-feira, cara – respondeu Antonio, me olhando de esguelha. No fogão, Lucila mexia o molho com força e pensei que não tardaria a receber um sermão daqueles.

- E... Vocês vieram assim do nada? – perguntei, tentando descobrir o motivo para ter sido pego no flagra, após três dias de intensa bebedeira.

- Você não respondeu às mensagens que Lu te mandou, cara – respondeu Antonio, conciliador.

- Marco, coloque a mesa, está bem? – pediu Lucila.

Prontamente, obedeci, pegando os pratos, os talheres e, por fim, os copos. Eu ia pegar as taças de vinho, mas pensei que Lucila não ia amar essa ideia, então optei pelos copos normais.

- Ahn, acho que só tenho vinho para beber...

- Nós compramos limonada para você – disse Antonio.

Quando Lu terminou de misturar o molho na massa, ela pegou a grande panela e levou até a mesa. Ela serviu meu prato e, em dez minutos, eu me servi novamente, porque percebi que estava faminto. O molho de Lucila era uma das melhores coisas que já tinha provado. Ela sabia me agradar.

- Obrigado, eu estava precisando disso – falei assim que terminei.

- Marco – começou Lucila e eu me preparei para o esporro que ela iria me dar, mas ele não veio. – Está nos jornais. A reabertura do caso. Foi por isso que nos preocupamos.

- Ah – eu disse, sem saber o que responder. Me concentrei em dobrar o guardanapo em um quadradinho cada vez menor, um lado e depois o outro e depois de novo...

- Isso tem que parar, Marco.

- Não vai parar, Lu. Não vai parar nunca.

- Não pode deixar isso te afetar assim...

- Não é "isso". Pode falar, Lu. Pode falar o nome dela. Ela se chamava Laura.

- Tudo bem, Laura...

- Não vai acabar, porque não é ela.

- Como pode saber, Marco?

- Eu sei. Acredite em mim. Eu sei. Nunca vão encontrá-la.

- Está bem, Marco, acredite no que quiser. Mas você precisa se cuidar. Não sabemos o que aconteceu com ela, e é horrível, e eu te entendo do fundo do meu coração, mas eu sei o que vai acontecer com você se você não se cuidar. Não pode ficar bêbado por três dias, Marco! Não pode! Você está com uma cara horrível. Você tem um evento importante em dois dias. Você precisa refazer a sua vida.

Ela tinha razão. E eu estava determinado a ir adiante com a minha vida, a tentar coisas novas... De repente, me lembrei de Amanda. Meu celular desligado há três dias, a bebedeira insana... Me levantei rápido demais, a cabeça ainda pesando da ressaca, e corri até a bancada onde estava meu celular. Deslizei o dedo pela tela cheia de notificações perdidas. 13 mensagens da operadora com ligações perdidas de Lucila. 23 mensagens de ligações perdidas dos meus pais. Merda. 10 mensagens com ligações perdidas de Antonio. 21 mensagens de Lucila. 13 mensagens de Antonio. 2 mensagens do meu editor... Ali estava. Uma mensagem de Amanda.

- Posso saber o que está acontecendo? – perguntou Lucila, recolhendo os pratos.

Eu desbloqueei a tela do meu celular e vi a foto da Amanda. Imediatamente, o sorriso bobo apareceu no meu rosto e eu levei um susto quando vi Lucila espiando por cima do meu ombro.

- Quem é essa???

- Eii!! – gritei de volta, ainda sorrindo. – Não interessa!

- Ah, mas me interessa e muito! Antonio, veja isso!

- Eu não vou mostrar para o Antonio, Lu! Um homem pode ter um pouco de privacidade, por favor?

- Acho que você perdeu o direito à privacidade, abrindo a porta de cueca depois de três dias desaparecido, cara – respondeu Antonio.

- Ninguém fica desaparecido na própria casa, Antonio! – rebati, ainda rindo.

- Olha, eu não sei quem é essa mulher misteriosa – disse Lu e, sussurrando num tom perfeitamente audível para o Antonio – de toalha...

- Veja só! – exclamou Antonio.

- Mas só de ver esse sorriso no seu rosto já estou mais aliviada.

- A vida desses autores best-sellers é muito fácil, Lu...

- Com certeza, não é como a vida acadêmica...

Amanda, doce obsessão | DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora