3. Amanda

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Cheguei em casa e me joguei no sofá. Ligando a TV, fiquei meia hora tentando escolher uma série nova no Netflix, sem sucesso. No final, minha lista já tinha mais de 10 títulos novos e eu não sabia qual começar. Tomada pela indecisão, zapeei mais um pouco e apareceu uma sugestão que não era nova: "A Obediente", uma série baseada no livro de Marco Gallo. É claro que eu já tinha visto essa série com papai, mas eu já estava começando a ficar com saudade do professor Marco. Eu não teria mais aula com o professor Marco, acabou aquela moleza de poder olhar para ele sem parar... E o professor Marco não tinha rede social... Isso era um absurdo, afinal, ele não era um professor velho! Na verdade, até meu pai tinha facebook e instagram! E o professor Marco só tinha 35 anos. O que ele tinha contra as redes?

Mas ele estava no whatsapp... Ficando nervosa, lembrei da mensagem do Galão e quase morri. Ele viu, com certeza. Que vergonha. Pegando o celular, abri a foto de perfil dele no whatsapp. Ele aparecia de óculos, a barba por fazer do jeito que eu gostava, o cabelo castanho meio despenteado, um sorriso contido. Era uma foto de postura profissional, mas ele estava incrível, como sempre. Pensei que, antes de encontrá-lo na quinta-feira, eu deveria olhar para essa foto até me acostumar com a beleza dele. Depois, iria ficar mais fácil manter uma conversa.

- Amanda, o que está fazendo jogada aí? Já arrumou suas coisas?- perguntou minha mãe, entrando com as compras.

- Minhas coisas... – repeti. Meu Deus! Minhas coisas! Olhei o relógio e vi que já eram 17h, o Luca ia sair do hospital às 18h e passar lá em casa.

Corri para o quarto, abri a mala em cima da cama e comecei a atirar as primeiras roupas que eu vi lá dentro. Não era uma viagem longa, nós iríamos para a casa do lago da família do Luca. E, dessa vez, meus pais também iriam. Meus pais e os pais do Luca se conheciam há muitos anos. Eram todos médicos no Hospital Morelli Gatti, o único de Aroeiras, e que pertencia à família do Luca. Meus pais, Enrico e Monica, tinham, inclusive, sido padrinhos de casamento de Giovanna e Leonel, os pais de Luca.

Sim, todo mundo ao meu redor era médico. To-do-mun-do. Eu ainda enfrentava a pressão por não ter escolhido essa carreira quando, por uma sorte do acaso, eu e Luca nos esbarramos em uma festa no campus dele. Na época, ele estava no último ano da residência e eu estava no meio da faculdade de Letras.

Já estávamos completamente bêbados quando ele me desafiou para uma partida de sinuca. Nós sempre jogávamos sinuca juntos nas viagens de família. Sempre! Ele era ótimo e eu era melhor ainda, então era uma boa disputa. Mas, nessa época, ele estava muito ocupado com a faculdade e a gente não se via há mais de um ano e eu acabei reparando que o Luca estava um gato... Os cabelos louros, a pele bronzeada, aqueles olhos verdes... O jogo estava bem equilibrado, mas só tinha a gente ali naquela sala e ele veio por trás de mim, querendo me mostrar um jeito novo de jogar... Confesso que quando ele colocou as mãos nas minhas e disse que eu podia fazer a jogada naquela posição, eu me abaixei só um pouquinho, um pouquinho de nada, mas acabei encostando nele e, bem, o que eu senti me deu confiança. Fiz a jogada e acertei a bola no buraco.

O Luca se afastou para fazer a jogada dele e, quando chegou a minha vez, eu pedi – acho que fui um pouco cara de pau –, mas eu pedi com jeitinho pra ele me mostrar de novo. Dessa vez, quando ele chegou por trás, eu senti o hálito quente dele bem no meu ouvido, quando ele perguntou: - Posso te mostrar mais de perto?

Eu soltei uma risadinha, quando ele me imprensou contra a mesa, suas mãos agarrando as minhas, que ainda estavam segurando o taco da sinuca. Eu o senti bem atrás de mim, contra a minha bunda e deslizei pra cima e pra baixo, tentando ver qual tamanho ele teria. Ele afastou o meu cabelo, beijou a minha nuca e eu senti uma fraqueza nas pernas quando os dedos dele levantaram o meu vestido e tocaram a minha calcinha.

Aquele foi, sem dúvida, o momento mais insano da minha vida, uma pessoa poderia entrar a qualquer momento e nos pegar bem ali. Eu de costas para o Luca, lutando pra não gritar o nome dele, enquanto ele ria no meu ouvido e dizia: - Amanda, nossas férias em família poderiam ter sido melhores...

Eu ri demais daquilo e, depois disso, o Luca passou a ter muito mais tempo para as viagens para a casa do lago. E, claro, sempre que eu via aqueles olhos verdes em mim, eu sabia o que eles estavam fazendo ali e o que eles queriam ver.

Lá na fazenda, o Luca me perseguia. Eu comecei a gostar desse jogo, por isso nunca contava para ele para onde eu ia. Ficava sozinha em algum canto, bem tranquila com o meu livro, só esperando ele aparecer. Ele sempre aparecia.

É claro que, no início, a gente não contou nada para os nossos pais, mas aos poucos a nossa relação foi evoluindo. Afinal, nos conhecíamos desde crianças, sempre nos demos muito bem e agora tínhamos ainda mais motivos para ficar juntos. O Luca é divertido e muito inteligente. Ele só fica sério quando precisava estudar para alguma prova de medicina, mas agora que ele está na residência, passamos mais tempo juntos. Como a família dele é toda de médicos e é dona do hospital, ele leva a profissão muito a sério. Mesmo com apenas 25 anos, ele já vai começar a receber pacientes em um dos consultórios do pai.

Trããm.

Senti meu celular tremendo no bolso da calça já achando que era o Luca, mas o nome no visor me fez sentar. Marco. Aimeudeusoprofessorgalão me mandou um whatsapp!!!

Desbloqueei o celular já suando para ler a mensagem:

- Oi.

- Oi – digitei de volta.

Ele deve mandar o endereço e o horário de quinta-feira, pensei, animada. Vou ter uma oportunidade única! Uma chance de falar sobre o meu trabalho com alguém! E tudo isso graças ao professor Marco. Não tinha nem palavras para descrever como eu estava feliz. Eu fui correndo contar pra Samantha. Um editor ia ler meu conto! Mas só contei para ela, na verdade. Meus pais e o Luca não sabiam ainda... Eu estava pensando se dividiria isso com eles. Assim sem nada garantido... Meus pais não entendiam muito a minha escolha de profissão. Mesmo sendo um fã de Marco Gallo, meu pai salientou umas mil vezes que ser um autor publicado era coisa para um em um milhão, que a escrita era um hobby e não uma profissão.

Depois de tantos sermões insuportáveis, eu perdi qualquer vontade de mostrar para eles os meus contos. Acho que eles nunca vão entender.

Amassando um último vestido na mala, tirei as roupas correndo e entrei no banho. Meia hora depois, estava ao lado de Luca no carro, meus pais seguindo no carro deles atrás. Já era noitinha quando chegamos na casa do lago. Era uma grande casa de fazenda, toda branca, com belas portas azuis.

Fomos para o nosso quarto de sempre, no segundo andar, e deixamos a mala. Coloquei uma roupa e logo descemos para a sala de estar, onde meus sogros já estavam e nos convidaram para uma partida de buraco, enquanto esperávamos os meus pais. Aproveitando que Luca ainda pensava sobre a próxima jogada, conferi meu celular e vi que o professor ainda não enviara outra mensagem. Que estranho. Nesse momento, Samantha me mandou uma selfie beijando uma garrafa de cerveja.

Tá perdendo a pré-festa de formatura, ela escreveu e eu ri. Olhei ao meu redor e me senti uma velha de 100 anos. Lógico que eu preferia estar na festa de formatura, mas o Luca combinara aquela viagem há mais de um mês, e eu nem me liguei que era bem na última semana da faculdade. Sou um pouquinho desligada com essa questão de tempo, datas e horários.

Meus pais desceram e a dona Rose colocou a mesa do jantar. O cheiro do carbonara – meu prato favorito! - vinha da cozinha e meu estômago roncou. No centro da mesa, tinha carpaccio, burrata e vários queijos. Quando vi, já estava com uma taça de vinho na mão. Peguei um pedaço de focaccia quentinha e já ia colocando na boca quando percebi que minha mãe estava com uma cara estranha. Ela me olhava carinhosamente, os olhos úmidos.

- Tudo bem, mamãe? – perguntei, desconfiada.

- Sim, filha. Tudo bem – disse ela, bebendo um gole de vinho.

Eu ia insistir que ela estava estranha, mas meu pai perguntou ao Luca sobre o consultório e eles entraram em uma longa conversa sobre os benefícios de ter uma assistente para ajudar a marcar consultas. Eu estava muito preocupada com a burrata para prestar atenção e não percebi quando meu celular tremeu na mesa.

Amanda, doce obsessão | DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora