Assim que sai do orfanato eu morria de medo dos meus pais adotivos não gostarem de mim de verdade, não queria me decepcionar, não queria me sentir sozinha de novo.
Nas primeiras semanas eu não me permitia ficar alegre por algo que eles faziam, lembro do meu pai comprar um caderno e um lápis colorido com um unicórnio na ponta, eu fiquei tão feliz, agradeci e não me senti capaz de escrever, até de tocar no lápis. Mamãe notou isso e veio falar comigo.
— Você não gostou do seu presente? — me perguntou com a voz doce, eu lembro de ter congelado nessa hora, não sabia o que responder.
— Eu gostei... Gostei muito. — admiti, nesse momento papai se sentou ao lado da mamãe.
— Então qual é o problema? — papai perguntou, sei que demorei um tempo para responder.
— Vocês me amam mesmo? — perguntei sentindo meus olhos arderem.
— Claro que sim, Ohana. Nós te amamos. — minha mãe passou a mão em meu cabelo. — Você é nossa filha, não de sangue, mas é de coração.
— Então... Eu não vou ficar sozinha nunca mais? — eu já estava chorando nesse momento, não conseguia acreditar. Um dos medos que sempre me acompanhou foi ficar sozinha... Eu não podia me iludir com algo que talvez fosse passageiro. Não queria aquele caderno e lápis, queria uma confirmação de que realmente eles não me deixariam sozinha.
Papai se aproximou de mim e com os olhos marejados falou:
— Nós jamais vamos te deixar sozinha, e eu espero que você também não nos deixe sozinhos... Porque você é a criança que desejamos ter, você é a criança que sempre sonhamos em ter. Você é nossa filha.
Nesse instante eu os abracei e foi como se um peso saísse de cima de mim, eu lembro de ter chorado muito, e eles também. Mas não era um choro de tristeza, era de alívio, alegria... Sabia que estavam sendo sinceros, sabia que eles realmente me amavam.
E por mais que eles estejam mortos agora, eu sei que eles não quebraram a promessa. Um pedaço deles vive em mim, suas histórias vivem em mim.
Tudo o que me ensinaram ainda estão aqui e agora estou e sentindo um pouco culpada por não cumprir o que prometi, mesmo Joel sendo um babaca.
Já falei para não me julgarem, um coração trouxa funciona assim...
Ainda estou procurando por Garoto, estou com medo de algo ter acontecido com ele, não encontro nenhum rastro – não que eu seja boa em seguir pistas, mas sei que um galho quebrado e pegadas significam alguma coisa –, não faço ideia de qual direção ele possa ter ido e com certeza estou um pouco perdida.
Estou tentando não pensar em Joel, suas palavras não fizeram o mínimo de sentido e as minhas menos ainda, acabei me declarando sem medo das consequências e por incrível que pareça não me arrependo. Que se dane.
Posso ser trouxa, mas sou uma trouxa cansada.
Cansei de guardar isso para mim, ele que lide para viver sabendo disso, não é o fim do mundo. Isso já aconteceu, não é mesmo?
Acho que preciso pensar na minha sobrevivência do que em amor. Cansei.
Quando cheguei no abrigo de Joel, eu estava arrasada. Perdi pessoas que amava e os traumas apenas cresceram, agradeço muito por terem me acolhido. Kala foi a primeira a falar comigo, consigo lembrar exatamente o que falou para mim:
— Vai ficar tudo bem. — não acreditei na hora, mas ela estava certa. Eu fiquei bem.
Tim deu dois tapinhas de apoio em meu ombro e perguntou para Joel se ele podia ficar de olho em mim, já que além de eu estar com o psicológico horrível, minha perna estava muito machucada e não conseguia me mover muito.
Joel se aproximou um pouco tímido e sem saber o que falar, me ofereceu um lenço e me ajudou a dormir naquela noite. Ele não saia do meu lado por nada. Ali eu sabia que havia feito grandes amizades.
— Você tem uma letra muito bonita. — Joel me disse alguns meses depois da minha chegada, nós fazíamos tudo juntos e nesse momento estávamos descansando depois de uma faxina que fizemos no abrigo. Eu estava escrevendo alguma coisa e ele apenas observando.
— Eu sempre escrevi muito, acho que isso ajudou. — dei de ombros casualmente. — Escrevia enquanto estava no orfanato.
— Como era...? Como era morar em um orfanato? — perguntou meio sem jeito.
Sempre fui muito resolvida em relação a isso, nunca tive problemas em falar que fui adotada.
— Bagunçado. — resumi. — A educação não era das melhores, tínhamos muita punição, não tínhamos muita comida, alguns ricos faziam algumas doações mas não era muita coisa.
— Sinto muito. — disse com a voz um pouco embargada, lembro que apenas dei de ombros.
— Acredite, viver nesse abrigo é bem melhor. — sorri um pouco querendo diminuir o desconforto, a morte da minha família ainda estava muito recente e falar isso doía muito, mesmo sendo a verdade.
— Eu não tenho o que reclamar, realmente... Minha única preocupação era sair com alguma menina ou se minha mãe ia arrumar meu cabelo na frente dos meus amigos da escola. Admiro você.
Franzi o cenho sem entender o porquê dele falar isso, então ele continuou:
— Apesar de tudo, você continua sendo uma boa pessoa, alegre e motivadora. Sabe? Parece que nada te impede. Admiro pessoas assim. — nossos olhos se encontraram e eu sorri, grata por ele ter enxergado isso em mim depois de tantas coisas ruins que passei.
— Você é forte também. Todos nós perdemos algo... — falei pensando em todos do abrigo e todas as pessoas que sobreviveram.
Joel se ajeitou e ficou de frente para mim e eu estranhei o movimento repentino.
— Nós vamos passar por isso juntos, não podemos nos separar, tudo bem? — fiquei sem ação, mas depois de uns segundos estendi minha mão e apertei a sua que estava estendida.
O meu mundo havia caído quando perdi minha família, e ao ouvir essas palavras me encorajou a continuar. Mesmo que eu tivesse perdido tudo, mesmo que o mundo estivesse acabando, minha vida não havia acabado. Exatamente como agora.
Eu posso ter deixado o cara que eu amo para trás, posso ter quebrado uma promessa, mas não é o fim de tudo, eu ainda estou viva.
Se for para sofrer de amor ou sobreviver...
Prefiro viver.
Não tenho apenas duas escolhas.______________
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Survive Or Love [Love And Monsters]
FanfictionOlá leitores do futuro! Esse é um livro sobre a vida de uma sobrevivente após o apocalipse - no caso eu. Não sei se vai ser tão interessante... Mas vou escrever porque é o único passatempo que tenho aqui, além de limpar o abrigo subterrâneo onde vi...