Queda

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Desperto um pouco confusa, mas ao me habituar vejo os cabelos de Joel um pouco abaixo do meu rosto, ele está de costas para mim, meus braços estão o abraçando e minha perna esquerda está sob a dele. Estamos em posição de conchinha, eu sendo a concha maior, enquanto ele está todo encolhido. Sinto vontade de rir mas não quero acordá-lo.

— Certo, por que estamos assim? — Joel pergunta de repente e com o susto o empurro para o chão. — Bom dia pra você também.

— Ah meu Deus, Joel. Desculpa. Bom dia. — me apoio em meu cotovelo e o encaro caído no chão. Garoto está sob ele lambendo seu rosto. Começo a rir. — Ele gostou de você. E você gostou de dormir comigo.

Joel faz uma careta e se levanta fazendo carinho no cachorro. Arrumo meus cabelos passando os dedos pelos fios embaraçados, pego um pequeno elástico em meu bolso e prendo metade do cabelo, deixando a parte da nuca com alguns cabelos soltos. Me levanto indo até minha mochila, passando por Joel e Garoto faço um carinho na cabeça dos dois. Pego uma das garrafas de água, minha escova e uma pasta de dente.

— Sério que você vai gastar água escovando os dentes? — Joel pergunta quando vou até a pia que está uma bagunça e muito nojenta, mas é o que eu tenho agora.

— Eu ainda quero ter meus dentes, mesmo no apocalipse. — balanço os ombros, Joel pensa um pouco e também pega sua escova indo até mim para pegar a pasta de dente.

— Você tem razão. — diz com a boca cheia de bolhas. — Eu não quero ficar com os dentes podres.

— Estava parecendo que sim. Mas que bom que abriu os olhos. — dou uma risada fraca e cuspo a pasta na pia.

— Olha o que tem aqui! — levanto a cabeça e vejo Joel segurando um objeto dourado.

— O que é isso? — pergunto.

— É um batom. — abre a tampa e meus olhos se iluminam.

— Um batom! — abro a mão para pegá-lo, faz anos que não vejo um desse. Eu lembro que amava me maquiar. Minha mãe me deu uma pequena maleta de presente de natal, acho que tinha 15 anos. Eu passava horas em frente ao espelho tentando fazer algo bonito, até que conseguia.

— Será que Aimee vai gostar? — minha mão para no ar e logo a recolho. Decepcionada. Vejo ele guardar o batom na mochila, me viro e começo a lavar minha boca, disfarçando meu rosto desanimado, o lavo e guardo a garrafinha na mochila junto de minha escova, ignorando a raiva dentro de mim. Não é culpa do Joel, talvez eu ainda esteja alimentando o desejo de ele me notar. Eu preciso parar de ter esperanças. Já era.

— Tchau, Garoto. — passo a mão em seu pelo. — Você foi muito receptivo. Muito obrigada por nos salvar e deixar passarmos a noite aqui. Nunca vou te esquecer.

Dou-lhe um abraço e ele lambe meu rosto.

Joel também se despede enquanto abro a porta do ônibus, salto para fora encarando o dia e a paisagem, nem parece que ontem fomos atacados por um sapo gigante.

— Tchau, Garoto. — Joel fica ao meu lado balançando a mão para o cachorro. Damos alguns passos para frente e então ouvimos latidos e somos obrigados a nos voltar para ele.

— Xiu, alguma coisa pode te ouvir. —  Joel o repreende.

— O que foi? — pergunto o vendo com a língua para fora. — Joel, acho que ele quer vir conosco.

— Quer vir com a gente? —Joel pergunta. — Beleza, pode vir. Venha.

Me levanto para prosseguir a caminhada, feliz com o nosso novo companheiro mas ele sobe novamente no ônibus.

Survive Or Love  [Love And Monsters] Onde histórias criam vida. Descubra agora