16 - Inconsciente

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Tudo ainda estava negro, mas apenas porque Ray mantinha os olhos cerrados com força numa esperança de que a morte de Ary não passasse de um sonho. Estava de joelhos no chão, sentada sobre os calcanhares e sentia água debaixo de si. Passou os dedos das mãos por essa água, mas não os sentiu molharem-se.

A curiosidade levou a melhor sobre si e lentamente abriu os olhos. Dobrou a mão direita numa concha e elevou-a com um pouco de água ao nível da sua cabeça, virou-a e observou o líquido transparente escorrer de novo para o chão, no entanto, a sua mão mantinha-se seca. Passou o olhar pelo seu braço e depois pelo seu corpo apenas para constatar que o vestido de gala verde azulado tinha desaparecido, ela estava agora vestida com o seu fato da Hydra, preto e cinza escuro.

Levantou-se e observou o lugar desconhecido. A fina camada de água preenchia todo o chão do local que parecia não ter fim, era como estar num deserto, sem dunas e sem areia, desprovido de qualquer fonte de vida. O céu era de um tom avermelhado, como se Ray vivesse um eterno pôr do sol. Deu uma volta sobre si e quando se voltou na direção que tinha começado havia agora, no centro daquele deserto, uma caixa de elevador. Ela franziu o sobrolho para as portas encerradas e procurou uma arma, mas não tinha nenhuma. Aproximou-se lentamente da caixa metálica, as suas botas negras de combate a afundarem-se no chão de água.

Ao fim de poucos passos as portas metálicas abriram-se e Ray sentiu o seu coração disparar quando viu que dentro do elevador se encontrava Ary König. Encostado à parede do fundo olhava para ela com um sorriso largo no rosto. Ray começou a correr na sua direção, mas a distância entre ela e a caixa metálica parecia nunca se encurtar. Como se corresse num tapete rolante que não conseguia ver.

- Ary? – Chamou enquanto esticava o braço direito na sua direção, numa tentativa inútil de o alcançar. O sorriso do alemão desapareceu do seu rosto e ele olhou para baixo, para a sua camisa que começava a ficar manchada de sangue. – ARY? – Ray voltou a gritar o seu nome.

König levou uma mão ao coração e voltou o olhar para Ray. Um sorriso apareceu nos seus lábios.

- Não havia nada que pudesses fazer. – Ele disse antes das portas do elevador se fecharem.

- NÃO! – O grito soou abafado.

Ray encontrava-se novamente de joelhos no chão, sentada sobre os calcanhares e olhos fechados. A sua respiração era pesada enquanto o rosto de Ary ainda assombrava a sua mente. «Por favor, que tenha sido um sonho» suplicava para si debaixo da respiração. Abriu os olhos apenas para voltar a constatar que se encontrava no mesmo sítio deserto.

Voltou a colocar-se em pé e, novamente, atrás de si estava a caixa de elevador. Ray deixou-se ficar no mesmo local enquanto as portas se voltavam a abrir e König aparecia a olhar para ela com o mesmo último sorriso que tinha visto no hotel. Caminhou a passos largos apenas para constatar que novamente a distância não estava a ser encurtada.

- Ary, tens que vir até mim. – Ela disse na sua direção enquanto levantava o braço direito, palma da mão virada para cima.

Ele não fez qualquer intenção de se mover. O seu sorriso largo continuava pousado no rosto, corpo encostado à parede do elevador.

- Ary, ouve-me por favor. Não consigo ir ao teu encontro, tens que sair desse elevador.

- Não havia nada que pudesses ter feito. – A camisa branca começava a ficar manchada de sangue. O sorriso de dentes brancos estava a desaparecer.

- Para! Por favor, para! – Ela suplicou elevando o tom de voz. – Sai desse elevador!

- A culpa não é tua, schatz. – As portas fecharam-se novamente.

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