19 - Steve

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A igreja de Grundtvig, em Copenhaga, era um edifício imponente e Rogers sentiu-se subitamente muito pequeno e humilde quando se encontrou no seu interior. Retirou o chapéu que usava para encobrir o rosto e observou o interior de tetos abobadados, tijolo branco e janelas de grandes dimensões que deixavam entrar a luz do dia. Sentou-se numa das cadeiras de madeira, fechou os olhos e absorveu a paz que o lugar lhe transmitia.

- Senhoras e senhores, Steve Rogers largou as camisas aos quadrados. – A voz baixa não o sobressaltou, nem por ter vindo da cadeira ao seu lado sem que ele se tivesse apercebido da aproximação de alguém. Os cantos dos seus lábios subiram num sorriso.

- Se tivesses ficado por perto mais tempo saberias que eu não uso sempre camisas dos anos 70. – Abriu os olhos e virou a cabeça na direção da sua companhia. – Olá, Ray.

- Olá, Steve. – Ela imitou-lhe o sorriso. – Não te tomava por crente. – Virou o olhar para o altar ao fundo do corredor.

- Pareces diferente. – Observou a mulher sentada ao seu lado. O seu cabelo, que anteriormente lhe dava pelo meio das costas estava cortado ao nível dos ombros e tinha algumas madeixas mais claras, queimadas pelo sol. A sua pele estava com uma tez mais escura. Mas eram os seus olhos castanhos que mais revelavam o quanto o último ano a tinha mudado, havia um brilho que não existia antes.

- Sinto-me diferente. – Os seus olhares encontraram-se e Ray abriu o sorriso.

- O que fazes por aqui?

- Tinha genuíno interesse em saber se iria entrar em combustão espontânea ao entrar em solo sagrado. – Ela susteve a respiração por breves segundos. – Parece que estou safa. Então e tu, estás a confessar os teus pecados? – Estreitou o olhar em tom de brincadeira o que fez com que Steve soltasse um riso abafado.

- Sabes que não foi isso que te perguntei.

Mais pessoas começaram a entrar e aos poucos começavam a ocupar as cadeiras de madeira, enchendo a igreja com conversas sussurradas. Uma missa deveria estar prestes a começar e alguns dos presentes analisavam o casal com uma sensação de familiaridade. Steve voltou a enterrar o chapéu na cabeça.

- Ainda não almocei. Fazes-me companhia? – Convidou Ray e ele assentiu com a cabeça. Saíram da forma mais discreta que conseguiram.

Sentados na esplanada do café, à sombra de um guarda sol, iam degustando os hambúrgueres que tinham pedido. Ray dava pequenas mordidas numa batata frita enquanto ouvia Steve contar histórias antigas das suas aventuras com o seu melhor amigo.

- Íamos a correr para apanhar boleia de um elétrico, queríamos guardar o dinheiro dos bilhetes para um gelado quando chegássemos a casa. Eu não conseguia correr suficientemente rápido para o apanhar pelo que o Bucky decidiu "ajudar" – Rogers fez o sinal de aspas com os dedos – e dar-me um empurrão nas costas para que eu ganhasse balanço. Não. Não ganhei balanço. Tropecei nos meus pés e caí desamparado nas pedras da rua. Sangue no queixo, mãos e joelhos esfolados e umas calças rasgadas. Cheguei a casa num estado miserável, atrasado, sem gelado, porque tivemos que comprar bilhetes para o regresso e, ainda apanhei um raspanete da minha mãe por ter arruinado um par de calças.

Ray estava encostada na sua cadeira, cabeça lançada para trás e olhos fechados. Ria à gargalhada com a história que acabara de ouvir. Steve observava-a com um sorriso nos lábios. Dava consigo a tentar lembrar-se se alguma vez tinha ouvido aquele som vindo dela e deu-se conta que esta era a primeira vez que ouvia uma gargalhada sua. Mesmo no pouco tempo que estiveram juntos no apartamento de Natasha só a tinha visto sorrir ou abafar o riso. Arranjou o chapéu na sua cabeça e desviou o olhar para o seu prato quando ela o encarou, ainda com o riso a chegar-lhe aos olhos.

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