17 - Bilhete

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A porta do quarto abriu-se devagar enquanto Steve espreitava para o seu interior.

- Ray? – Chamou baixinho quando viu que a cama estava vazia. Aguardou pela resposta enquanto os seus olhos se adaptavam à fraca luz. Entrou lentamente e perscrutou o quarto. – Ray? – Voltou a chamar.

- Estou aqui. – A voz soou baixa e rouca.

Steve abriu mais um pouco a persiana de modo a que a luz do sol iluminasse o seu interior.

- Como te sentes? – Avistou uns pés descalços e sentou-se no fundo da cama do lado contrário onde Ray estava deitada no chão.

- Melhor. – Apoiando o peso do corpo no braço esquerdo ela sentou-se.

- Ótimo. – Steve sorriu na sua direção, mas o olhar de Ray continuava pousado no chão. – A casa de banho é a porta aqui ao lado. Há comida na mesa. Aparece quando te sentires preparada. – Saiu.

Ray levantou-se e caminhou para a divisão adjacente. Aproveitou para se refrescar e parou em frente ao espelho avaliando o seu aspeto. Tinha os olhos vermelhos como se estes quisessem revelar as lágrimas que tinha derramado no seu sonho. Encheu a mão esquerda de água e passou-a no rosto. Retirou a t-shirt azul marinho e inspecionou as ligaduras. Tinham feito um bom trabalho na imobilização do seu ombro para que curasse no sítio.

«- Para quieta!

- Mas dói!

- Vai ser muito pior se não parares quieta. – O Soldado de Inverno limpava a ferida de bala no ombro de uma Ray com 13 anos de idade. Escondeu um sorriso quando ela tentou fazer uma cara valente e falhou miseravelmente quando o algodão embebido em álcool lhe tocou novamente. – Não tens buraco de saída. Vou ter que extrair a bala. – Retirou da mala de primeiros socorros uma pinça metálica comprida.

- Ah...não obrigada. – Ray arregalou os olhos ao ver o instrumento. – Não me importo que ela fique aí dentro.

- Não a posso deixar aqui dentro. Como é que achas que perdi o meu braço?

O rosto da rapariga virou-se repentinamente na sua direção, de sobrolho franzido e boca entreaberta numa pequeno "o".

- Estás a mentir. – Acusou.

- Alguma vez te menti? – O olhar de James era sério.

- Foi por causa de uma bala? – Ray sussurrou a pergunta como se um segredo estivesse prestes a ser partilhado.

Ele aproveitou o momento de distração para inserir a pinça e procurar a bala.

- Sim. Não fui tão corajoso como estás a ser agora e deixei-a lá ficar. Umas semanas depois o meu braço apodreceu e caiu.

- Nojento!

- Sim foi. – Encontrou a bala no ombro dela. – Além de ser nojento ter um braço metálico é a minha assinatura de marca, pelo que não quero concorrência. – Retirou-a e colocou-a no chão, ao lado de onde estavam sentados. Começou a preparar um penso. – Arranja a tua própria cena!»

Ray sorriu para o seu reflexo no espelho perante a recordação. Aquela foi a primeira de muitas histórias que James lhe tinha contado de como perdera o seu braço e de todas as vezes ela reagia como se ele nunca lhe tivesse dito nada acerca do assunto. Nunca chegara a perceber se alguma vez ele lhe tinha contado a verdade, mas isso não era importante para ela. O que Ray mais gostava em cada história de James era que as usava para que ela se sentisse melhor consigo própria, mais forte acerca de alguma situação. Sentia-se grata por esses momentos pois todos os outros passavam dias a fazê-la acreditar que era menos que nada. Voltou a vestir a t-shirt e caminhou em direção às vozes.

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