banheiro pequeno

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o vento sopra e o meu cabelo voa
me sinto livre
o vento brinca no meu ouvido
sussurra, arrepia
sorrio
o rádio canta alto uma música qualquer
que depois eu vou ouvir de novo
e sentir saudade daquele momento
mas naquele momento eu não sinto
saudade
só uma louca vontade de viver
ali para sempre
mas tudo acaba
e aquele pedaço de doce
escorre dos meus lábios e cai no chão
e com um solavanco meu peito
desmorona
e eu penso "por que eu?"
"por que comigo?"
"o que eu tenho de errado?"

me tranco no banheiro e é apertado
sento no vaso fechado
se fingir bem, vai parecer que estou usando
vai parecer que estou bem,
e parei para me aliviar
se fingir bem
ninguém vai notar
que estou morrendo num banheiro pequeno
chorando sem querer chorar
pedindo a Deus para estar louca
sentimental, hipersensível
menstruada, de tpm
ou qualquer desculpa,
que não seja infelicidade

porque eu corro disso
eu corro da tristeza como
o diabo corre da cruz
eu saio em disparada
sem olhar para trás
ofegante
desesperada
não quero ser triste
não quero chorar
não quero...

mas lá estou eu
sentada no vaso, fechada
engolindo os soluços,
cada um
e é como estar engolindo a mim mesma
todos os 1,64cm
devagar, intragável
eu seco as lágrimas
me preocupo
"será que meu olho vai avermelhar?"
"será que meu nariz vai inchar?"
"será que alguém vai notar o quão
pequena eu estou?"
me abraço e penso em todos
os rostos que estão rindo
comendo, e às vezes
sussurrando baixo

e digo a mim mesma
"não, não estão falando de você"
"você não é tão importante assim"
e suspiro
é como ficar tateando, procurando
imagens boas para ocupar a mente
mas só puxar vazio
e novamente penso
"o que tem de errado comigo?"
"eu não mereço um pouco de

paz?"

silêncio.

me jogo na água mais fria do mundo
e apesar de prender o ar,
me sinto pela primeira vez
respirando
desde o banheiro minúsculo.

para onde fui, é só água
o ar não é mais vazio, cheio de lacunas
mas totalmente preenchido
não há espaço para lágrimas
já estou mergulhada nelas
todas com gosto de cloro
profundo, congelante...

revigora.

o gelo me acorda
me tira do fundo
do buraco no qual tropecei
quando chego a superfície
me sinto viva
ou
ressuscitada.
e quando provo do quente
do chão, do sol,
de um caloroso corpo,
estou bem.

mas, ainda assim,
um pouco de mim tem medo
de quando aquela dor voltar
de quando o ar faltar outra vez
e mais uma vez, eu me encolher
num banheiro pequeno,
chorando baixinho,
me apertando forte e
me questionando
"o que eu tenho de errado?"

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