lama densa

8 0 0
                                    


olhe pelos meus olhos
o mundo se distorce,
e os cenários ondulam...
sinta pelo meu corpo:
é triste.

não posso escrever,
há muito tempo,
pois minhas palavras
viraram fantasmas,
gemendo pelos cantos
de uma casa assombrada.
não escrevo mais
as coisas belas
que um dia foram
cuspidas da minha boca,
apressada e ininterruptamente
pois os olhos daquela menina
eram olhos gentis
verdes de esperança,

mas

há um tempo

ouço um chiado constante
não consigo abafar por nada,
esse som melancólico,
esse blues triste
que infesta meus ares

que me deixa sem ares

que me deixa zonza,
ao pé da cama
me apoiando pelas paredes
puxando no ar
algo que sustente
ou uma alavanca de incêndio

a sirene
do meu coração batendo rápido
não dispara,
não alarde coisa alguma
tem alguma coisa errada!
mas tudo soa tão silencioso...
enquanto o quarto gira
enquanto meu corpo pende
para todos os lados
e meus pés erram o chão.

tem alguma coisa errada,
profundamente
enterrada a finco
soterrada sob mil camadas
vigorosamente construídas
que fracassei em esconder,
coisa que sem submergir
inutiliza todo o resto do corpo
adoece os ossos,
devaneia a mente,
polui todo o céu.

há muito tempo não escrevo,
pois as palavras se
repetem,
as mesmas metáforas fúnebres
o mesmo roteiro doentio,
não prende o telespectador.
logicamente.
razoavelmente.
eu não escrevo mais,
pois me sinto sozinha
molhando o rosto na pia,
encarando o espelho.

às vezes,
me sinto uma bactéria ruim
num organismo
expelindo tudo para longe
uma doença contagiosa
criando um limite
o limite da sua saúde,
o limite da sua vida.
como se eu fosse a própria
fita amarela de perigo,
o aviso de interdição,
o chão escorregadio.

e é por isso que não escrevo
mais.

porque,
mais do que tudo,
meus textos se tornaram feios.
pesados.
ao ponto de se tornar tão pessoal,
que eu não mostraria nem
para mim.
existe talento
numa lama tão densa?

fotossínteseOnde histórias criam vida. Descubra agora