eu vou ler um pouco

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Boa leitura!

Deslizo os dedos pelas teclas do piano quando Changkyun aparece-me vestido vindo do andar superior. Senta-se ao meu lado, observando como toco, sentindo a melodia. Faço uma pausa para encará-lo, uma vez que está bem pertinho a mim e ousou pousar o rosto no meu ombro. Engulo em seco porque ele está lindo. Aparenta leve sonolência, daquele tipo que sabe-se que irá dormir em breve, mas que ainda tem um pouco de tempo em pé para fazer mais coisas.

— Depois daqui a gente dorme, ok? — afago seu queixo, podendo sentir um pouco dos pelos crescendo.

— Uhum — concorda com a cabeça. — O ruim é que passamos o dia separados e quando nos vemos estamos cansados...

— É, de fato — volto a encarar as teclas do piano.

Recomeço uma das canções que estive apaixonado quando ainda estava nos primórdios dos meus estudos de piano. Changkyun gosta, porque acompanha meus dedos sem cessar e acaricia minha nuca. Seu silêncio é como poesia, é saber que ele está bem e feliz. Agora, bem quieto, pequenino, as pernas grudadas e os olhos grandinhos pela curiosidade.

— Espera aí — ele levanta-se de repente e sobe as escadas.

Eu giro o corpo para olhá-lo quando for descer. Estalo os dedos enquanto espero. E ele vem devagar com o bullet journal nas mãos, folheando, procurando algo. Retomo a canção, ainda que ele não tenha sentado ao meu lado outra vez. Sinto quando deixa um beijo no topo da minha cabeça — certamente faz-me errar duas notas — e quando viro-me para vê-lo, já está distante com os olhos nas páginas.

— Eu vou ler um pouco — é o que me diz.

— Eu continuo tocando ou...

— Pode tocar — aproxima-se de mim para acariciar meu cabelo.

Ele limpa a garganta e, puxando meus fios pela raiz, começa:

“nas relvas me esticarei,
meus pensamentos em ti
tu era ardente e fez mal
e eu, tirado a astrônomo,
lhe apelidei estrela, o sol ou marte
e queimei-me sem querer

nas relvas me esticarei
meus pensamentos em ti
almejei a paz de um lar tranquilo
ameno, colorido e simplório
e quando eu me sentir bem
quando sentir bem outra vez
quero lembrar de quando não
estive nem um pouco bem

nas relvas me esticarei
meus pensamentos em ti
o corpo pesado,
uma existência sem sentido
e teu sorriso inquilino
que atrasa meu lado
quando tanto preciso

nas relvas me esticarei
meus pensamentos em ti
desenhei saturno e urano
mas nada fez tanto sentido
quanto deitar nas relvas contigo
e traçar seus dedos nos meus
como se fosse tu o meu deus
e eu um humano miserável

nas relvas me esticarei
meus pensamentos em ti
na tua pose, no teu ego torto
tu borda palavras de consolo
por ter partido
e nas relvas estico-me só
sem saber de nada senão desistir
eu busquei tanto a tua chama
que queimei-me sem querer
e levei comigo as gramíneas
elas não tinham nada a ver
com isso...”

— Tá inacabado — conclui a declamação. — Outro dia ajeito algumas pontas soltas e tento dar um fim ou chegar numa conclusão.

Tiro os dedos do piano assim que ele senta-se ao meu lado. Lhe conforto com palavras doces de incentivo. Ele sorri meneando a cabeça, agora decide brincar um pouco com o instrumento. Vejo o bullet journal sobre o piano, junto com minhas partituras, e fico tentado a pegar para analisar direito o texto que acabou de ler. Mas fico quieto, uma vez que não sei se ele ficaria confortável ou não. Ademais, não faço tanta questão.

Thé et fleurs ┊ChangkiOnde histórias criam vida. Descubra agora