8. 𝐒𝐞𝐮𝐧𝐠𝐰𝐚𝐧

91 24 16
                                    

_____🌙_____

Quando eu estava na escola, era muito boa no vôlei. Eu até gostava de jogar, mas nunca foi minha verdadeira paixão, por mais ridículo que seja dizer isso. Fique meio decepcionada quando o treinador me escolheu para ser líbero no meu primeiro ano. Porque o líbero não pode atacar ou sacar, ficando apenas na área da defesa.

E essa é minha paixão. Correr. Passar a bola para uma garota não era nada comparado ao barato que eu sentia correndo dentro da quadra. Joguei todos os dias até ir para o Afeganistão. Lá, como não tinha mais como jogar, corrida o quanto podia em volta da base. E desde que voltei.... bom, vamos dizer que as minhas chances de jogar no futuro são iguais às que eu tenho de voar.

Mas guardo um segredo. Não é muito importante. É até patético, na verdade. Mas ninguém sabe. Bom, talvez Kai ou Solar, mas eles nunca comentariam nada.

O único raio de esperança que eu me deixo ter é a possibilidade de correr de novo. Não é esperança de verdade, uma vez que não posso me enganar pensando que isso pode se tornar realidade. Sonho em voltar a correr. É essa a razão de eu acordar bem cedo todas as manhãs. Antes que Solar, Kai ou o pobre cuidador da vez acordem... cara, antes que o sol tenha se levantado. Vou lá fora e finjo que estou correndo. Não fisicamente, claro. Minha perna não tem força para sustentar esse tipo de fantasia. Mas, na minha cabeça, eu corro.

É a única hora em que uso a bengala. Em parte porque não tem ninguém vendo, e também porque ela me permite chegar mais longe, mais rápido, por mais tempo. Por um ou dois quilômetros em uma trilha que margeia a baía. Eu ando mancando no silêncio que precede o raiar do dia e finjo apenas por uma hora que estou correndo. Que sou normal. É um momento meu.

É claro que, sendo a eremita que sou, todo momento é meu. Mas isso é diferente. Poderia dizer que é "sagrado", se não soasse tão ridículo. Com exceção dos pecadores - afinal de contas, estamos no Maine -, estou sozinha. E essa solidão é diferente da que enfrento o resto do dia, porque é intencional.

É a única hora em que me sinto viva. E nunca pensei que esse momento pudesse ser tirado de mim do jeito mais debilitante possível. Bae Joohyun, a mesma pessoa que me manteve acordada a noite toda, corre. E pior: corre no meu momento, na minha pista.

A garota vem na minha direção e, embora ainda esteja distante, sei que é ela. Desde o beijo, só consigo pensar em seu cabelo preto preso em um rabo de cavalo e em seu corpo magro. É inútil ir na direção contrária. Em seu ritmo, ela vai me alcançar com facilidade, de modo que não há nada a fazer além de esperar. E me apoiar. Diminuo o ritmo até parar. Já é ruim que veja a bengala; de jeito nenhum vou deixar que me veja andando com ela.

Joohyun usa um tênis de corrida rosa ridículo, ainda mais porque combina perfeitamente com a camiseta e a cor da faixa no cabelo. Ela também não estava com uma mala rosa ontem? É exatamente o que eu preciso. Uma explosão de chiclete na minha vida. Mesmo que a vestimenta não estivesse revelando que ela é nova nisso (corredores de verdade não se importam em combinar a faixa no cabelo e o tênis), isso é óbvio pelo ritmo lento, pelas bochechas rosadas e pela pisada ligeiramente errada.

Na minha cabeça, começo a dar dicas para ela. Inspira pelo nariz, expira pela boca. Não mexe tanto os braços. Seus tênis cheios de fru-frus compensam sua piada exagerada?

A princípio,acho que ela não me vê. As passadas e sua expressão não se alteram conforme vai se aproximando. De repente, está chegando. Fica na minha frente. E para. Meus dedos se fecham no apoio da bengala, que é uma cabeça de cobra - comprei esse troço na internet, de tão espalhafatoso e ridículo que me pareceu. Resisto à vontade de virar o rosto. Para mostrar meu lado bom.

𝐋𝐈𝐆𝐇𝐓 𝐌𝐄 𝐔𝐏 [𝐖𝐄𝐍𝐑𝐄𝐍𝐄]Onde histórias criam vida. Descubra agora